Por Tiago J.B. Paqueliua
1. Introdução
Em clara violação de compromissos assumidos perante a comunidade internacional, Moçambique permanece nos patamares mais baixos de respeito pelos direitos humanos, com uma pontuação alarmante de 2,1/10 na Segurança do Estado e 3,4/10 em Empoderamento, segundo o Human Rights Measurement Initiative – HRMI.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948) — artigo 3.º — estabelece: “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” Já a Constituição da República de Moçambique (CRM, 2004), no seu artigo 40.º, reafirma: “Todos têm direito à vida. A pena de morte é proibida.”
Contudo, entre execuções extrajudiciais, torturas, desaparecimentos forçados e perseguições, tais direitos transformaram-se em letra morta — nutridos por actores internos e pela cumplicidade de organismos externos que deveriam ser seus guardiões.
2. O Compadrio Internacional: Amnistia, TPI e o DDR, como promotores da impunidade
A Amnistia Internacional e o Tribunal Penal Internacional (TPI) foram concebidos como instrumentos de protecção global dos direitos humanos, cuja base normativa repousa no Estatuto de Roma (1998), que no seu artigo 5.º define crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e agressão como imprescritíveis e não amnistiáveis.
Todavia, na prática, observa-se uma justiça selectiva: os “grandes” escapam ilesos, enquanto os pequenos são expostos como troféus de eficácia. Potências como EUA, Rússia, China, Coreia do Norte e Israel mantêm historial de graves violações — de Abu Ghraib a Guantánamo, da Crimeia à repressão do Tibete e Xinjiang, dos assentamentos ilegais à repressão em Gaza ao ataque ao Irão— sem qualquer responsabilização efectiva. Através deles Viatname foi longamente devastado, Afeganistão idem, estadistas como Sadam Hussein e Kadafi mortos à sangue frio e seus países transformados em carreiras de tiro.
No plano interno, a Amnistia, o Desarmamento, a Desmobilização e a Reintegração (DDR) cristaliza esta cultura da impunidade, pois, contrariando princípios da Justiça de Transição, a amnistia e o DDR moçambicanos repetidamente ignoraram o que o Princípio 19 dos Princípios Joinet/Orentlicher (ONU, 2005) prescreve: _”O direito de cada povo à verdade e à justiça em relação a crimes graves.”_
Sem justiça retributiva, não há expiação: como ensina Hannah Arendt, _”o perdão sem responsabilidade é cumplicidade.”_ Assim, a FRELIMO consolida-se perdoando seus próprio crimes de guerra tal como da RENAMO transformada de grupo de bandidos armados para parlamentares e empresários; e, em breve, jihadistas negociarão cadeiras e quotas de reconstrução — tudo isto com o beneplácito dos “parceiros” da suposta paz.
3. O Observatório Internacional e a Sociedade Civil Travestida
Os Observatórios Internacionais — mandatados para garantir transparência — têm sido testemunhas resignadas de recenseamentos paralelos, fraudes eleitorais, enchimento de urnas, rasuras de atas e assassinatos selectivos. Ainda assim, tal como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP, 1966) garante no artigo 25.º _”o direito de participar na direcção dos assuntos públicos”_ e _”votarem eleições _ autênticas”,_ tais direitos tornam-se uma encenação tolerada.
A chamada “Sociedade Civil Moçambicana”, na sua maioria, não passa de um prolongamento da engrenagem partidária: OJM, OMM, ONP e outras siglas travestidas, instrumentalizando a narrativa de pluralidade para esterilizar a crítica efectiva.
4. Pobreza Estrutural e Violação de Direitos Humanos: uma relação de causa, não de consequência
Contrariando leituras superficiais, a pobreza não é a causa primária da violação de direitos — é consequência directa de uma arquitectura de exclusão política e repressão cívica.
Como recorda Amartya Sen, em Development as Freedom (1999): _”O desenvolvimento exige a remoção das principais fontes de falta de liberdade: pobreza, tirania e privação sistemática de liberdades civis.”_
A Constituição moçambicana (artigo 85.º) consagra o direito ao trabalho e à justa remuneração. O PIDESC (Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais) obriga os Estados a garantirem condições dignas de vida (artigo 11.º). Todavia, Moçambique pontua apenas 22,6% nesse indicador. A degradação económica é, pois, inseparável da repressão política.
5. A Falácia da Reconciliação sem Justiça Retributiva
Os acordos de paz em África muitas vezes abdicaram da justiça retributiva — transformando carnificinas em trampolins para elites belicistas. A lição é clara: quando a espada da justiça é embainhada em nome da reconciliação fácil, cria-se um mercado de violência rentável.
A justiça humana não pode renunciar ao seu papel de garante da justiça, daí que o Estatuto de Roma reafirma: _”A impunidade constitui ameaça à paz.”_ (Preâmbulo, §5). Ignorar este princípio é legitimar novos crimes, novas vítimas, novos acordos de reconciliação que, em essência, reciclam verdugos.
6. Considerações Finais: Ruptura ou Servidão
Enquanto a Amnistia, o TPI, o DDR e o Observatório Internacional persistirem na certificação da impunidade, Moçambique continuará preso a um ciclo de violência reciclada e pobreza estrutural.
A superação exige abandonar a diplomacia de salão, restaurar a justiça retributiva e reconstruir uma sociedade civil autêntica — não como apêndice partidário, mas como tribuna da cidadania activa.
Onde a doutrina dos Direitos Humanos não é utopia, é aplicável o Provérbios 31:8: _”Abre a tua boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados.”_ Porém tudo quanto sabemos, não serão os senhores da guerra a investigarem e julgarem a si próprios, num cenário como o moçambicano, em que capturaram todas as instituições, o que equivale dizer que enquanto o direito moçambicano continuar nas mãos dos senhores da guerra, não haverá a defesa do pobre e do incapaz; perpetuará o senhorio tirano.
Referências Bibliográficas
1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Art. 3º, 8º, 21º.
2. Constituição da República de Moçambique (2004): Art. 40º (direito à vida), 85º (trabalho), 74º (liberdade de expressão).
3. Estatuto de Roma (1998): Art. 5º (competência do TPI); Preâmbulo §5.
4. PIDCP (1966): Art. 2º (obrigação de garantir direitos); Art. 25º (direitos políticos).
5. PIDESC (1966): Art. 11º (direito a nível de vida adequado).
6. Principios Joinet/Orentlicher da ONU (2005): Princípio 19 (direito à verdade e à justiça).
5. Amartya Sen, Development as Freedom (1999).
6. Hannah Arendt, Responsibility and judgment.
