Opiniao

“SUSTENTA” ou a Desfiguração da Esperança: Análise Geoestratégica, Antropossociológica, Filosófica e Teológica de um Escândalo Encoberto

Tiago J.B. Paqueliua
Tiago J.B. Paqueliua

Por Tiago J. B. paqueliua

A presente reflexão analítica propõe-se a decantar, sob múltiplos ângulos epistemológicos e ético-teológicos, a inquietante notícia veiculada pela Carta de Moçambique (5 de Junho de 2025), sobre a alegada notificação – não confirmada nem desmentida – do antigo Presidente Filipe Nyusi e do ex-Ministro Celso Correia, no âmbito do escândalo do programa “SUSTENTA”.

Trata-se de um exercício que visa submeter à crítica profunda um modelo de governação cuja aparente filantropia rural acabou por se revelar, melodramaticamente, uma encenação tecnocrática ao serviço de um Partido-Estado.

Na manhã do dia 5 de Junho de 2025, o país foi confrontado com mais um capítulo de mais uma longa saga de impunidade institucional: a Procuradoria-Geral da República recusou-se, sem pudor, a confirmar ou desmentir a notificação do ex-Presidente da República, Filipe Nyusi, e do seu outrora ambicioso ministro, Celso Correia, no caso do desfalque milionário do programa “SUSTENTA”. Aliás, está dupla tem trilhado lada a lado nos meandros dos escândalos financeiros, tal como o das “Dívidas Ocultas”.

Dizia o Apóstolo Paulo aos romanos que “o governo é ministro de Deus para o bem” (Romanos 13:4). Se isso é verdade, então o que dizer de um governo que corrompe o pão que era para o pobre agricultor e o transforma em cifrões depositados em paraísos fiscais?

Agostinho de Hipona advertia que “sem justiça, os reinos não passam de grandes bandos de ladrões” (Cidade de Deus, IV, 4), e esta verdade parece encontrar eco neste silêncio conivente da PGR.

É necessário, pois, pensar o “SUSTENTA” não apenas como um programa público falhado, mas como um arquétipo do Estado extractivista neopatrimonialista que, à sombra da bandeira da sustentabilidade, institui esquemas oligárquicos de redistribuição invertida – dos pobres para os ricos. A denúncia da sociedade civil, ao apelar por investigação criminal, inscreve-se na tradição profética de denúncia contra o sacerdócio corrupto do templo de Jerusalém (Jeremias 7:11).

No plano antropossociológico, o programa “SUSTENTA” ilustra como o conceito de “desenvolvimento” foi capturado por uma elite tecnocrática urbana que, desconectada das realidades camponesas, construiu uma narrativa de sucesso mediático – sustentada por financiamentos multilaterais e pelos dados enviesados de relatórios oficiais.

Celso Correia emergiu como uma figura quase messiânica no discurso oficial, enquanto no terreno, a agricultura familiar era instrumentalizada para mascarar práticas estruturais de corrupção.

Em termos geoestratégicos, o apoio do Banco Mundial ao “SUSTENTA”, revela as complexas redes de legitimação externa do regime moçambicano, onde os organismos internacionais se tornaram cúmplices silenciosos de esquemas tecnopolíticos que alimentam a perpetuação de um regime predador, que recorre as rédeas da corrupção como princípio estruturador das instituições e das relações Governo-Estado.

A escolha do silêncio por parte da PGR não é inocente. É, como diria Gordon Haddon Clark, a negação prática da lógica e da verdade moral, pois “onde não há lógica, não há justiça; e onde não há justiça, reina a arbitrariedade do poder” (A Christian View of Men and Things).

Sociologicamente, Moçambique parece ser prisioneiro de uma repetição traumática, em que a criminalidade do colarinho branco é revestida de uma moral de conveniência jurídica. Como ironizou Vincent Cheung, “a hipocrisia religiosa é mais destrutiva do que o ateísmo declarado” (The Author of Sin), e o mesmo se poderia dizer da hipocrisia institucional.

Do ponto de vista filosófico e teológico, Tomás de Aquino diria que a lex humana só obriga se for conforme à lex aeterna. Ora, um sistema de justiça que encobre os crimes dos seus patronos políticos viola não apenas a lei eterna, mas a própria noção de bem comum.

O “SUSTENTA”, longe de ser um programa de capacitação rural, tornou-se uma nova Torre de Babel, construída à custa da esperança dos humildes. Martinho Lutero não hesitaria em rotular este estado de coisas como uma “prostituição da função pública”, tal como denunciava a simonia papal no século XVI.

No plano jurídico, a ausência de transparência por parte da PGR, pode ser juridicamente qualificada como obstrução institucional à justiça, se não mesmo cumplicidade por omissão. O princípio do accountability parece estar enterrado sob o entulho da conveniência política.

Em termos económicos, o desaparecimento de 80 milhões de dólares que deveriam beneficiar os agricultores familiares, constitui não apenas um assalto, mas uma traição civilizacional. John Grasham Mashem observa que “a corrupção económica é a forma mais subtil de idolatria moderna – a confiança nos recursos humanos em vez da providência divina” (The Crisis of Modern Evangelicalism).

A sociedade moçambicana, anestesiada por décadas de propaganda partidária, tem agora a obrigação moral e intelectual de questionar: quem sustenta o “SUSTENTA”? E mais: quem protege os seus arquitectos, mesmo depois de abandonarem os cargos?

A justiça divina pode tardar, mas nunca falha. Como escreveu Calvino: “O trono de Deus não pode ser movido pelo ouro dos ímpios”. Se a PGR não responde aos homens, responderá ao Eterno.

Conclusão

Este episódio, longe de ser um caso isolado, constitui mais uma peça na crónica de uma nação capturada.

A ausência de responsabilização de altos dirigentes, revela um Estado onde o direito é mera ficção retórica, e a ética, uma conveniência eleitoral.

Urge, pois, um movimento de renovação nacional que, assente na verdade, reconfigure o futuro de Moçambique, fora das sombras do Partido-Estado.

Referências Bibliográficas

. Agostinho de Hipona. Cidade de Deus. Lisboa: Paulus, 1999.

. Tomás de Aquino. Suma Teológica. Coimbra: Edições Loyola, 2002.

. Calvino, João. As Institutas da Religião Cristã. Genebra: 1559.

. Martinho Lutero. 95 Teses. Wittemberg: 1517.

. Gordon H. Clark. A Christian View of Men and Things. Presbyterian and Reformed Publishing, 1952.

. Vincent Cheung. The Author of Sin. Reform Publishing, 2004.

. John G. Mashem. The Crisis of Modern Evangelicalism. Grand Rapids: Sovereign Grace, 2010.

. François Turretin. Institutes of Elenctic Theology. P&R Publishing, 1992.

. David Engelsma. The Reformed Faith of John Calvin. Reformed Free Publishing, 1997.

. Centro de Integridade Pública & Mídia Lab. Relatório sobre irregularidades no Programa SUSTENTA. Maputo: CIP, 2023. (Moz24h)

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