Opiniao

Entre Terrorismos e Palhaçadas Jurídicas: Os de Cabo Delgado Exigem Condenações, Não Declamações

Por Tiago J.B. Paqueliua

 

Introdução

Enquanto o povo de Cabo Delgado agoniza, sob o peso de um terrorismo que se desdobra em múltiplas faces — islamita, estatal, económico e internacional — o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos de Moçambique, prefere reiterar aquilo que já é conhecimento vulgar, inclusive para os que vivem fora das fronteiras nacionais: que há violação de direitos humanos.

O povo moçambicano, saturado de discursos falaciosos e inócuos, não precisa de seminários decorativos, nem de diagnósticos estafados — anseia, isso sim, por justiça, por responsabilizações efetivas, por condenações que ponham fim ao ciclo de impunidade e cinismo institucional.

1.⁠ ⁠Análise

O conflito em Cabo Delgado deve ser compreendido como um reflexo e sintoma da falência do contrato social moçambicano.

A violência — venha ela das chamadas forças insurgentes ou das Forças de Defesa e Segurança (FDS) — funciona como mecanismo de reprodução da exclusão histórica das populações do norte, tratadas pelo Estado como matéria descartável.

A alienação popular, traduzida na
crescente desconfiança em relação às instituições, atinge níveis alarmantes.

A ausência de responsabilização judicial pelas atrocidades cometidas, tanto pelos grupos armados quanto pelas forças oficiais, mina o tecido psicossocial da nação, reforçando a percepção de que há vidas que simplesmente não importam.

2.⁠ ⁠Diagnóstico

A repetição de fórmulas retóricas em eventos públicos, como a proferida pelo secretário permanente Justino Tonela, denuncia um vazio moral no seio do aparelho de Estado.

A justiça não é apenas um valor jurídico, mas um imperativo civilizacional.

Ao reconhecer o “impacto negativo” da guerra sobre os direitos humanos sem, no entanto, anunciar medidas punitivas ou reparatórias, o Estado moçambicano revela uma postura típica de banalização do mal — que está a ser praticado e administrado sem qualquer grau de reflexão ética ou indignação moral.

3.⁠ ⁠Leitura Jurídica e Político-Institucional

A abertura de um processo-crime contra “desconhecidos”, relativamente às denúncias de violações cometidas por militares nas áreas de exploração da TotalEnergies, constitui uma farsa jurídica com assinatura institucional.

O uso da categoria “desconhecidos” num contexto onde os operacionais estão hierarquicamente identificáveis, documentados e localizáveis configura não apenas uma obstrução à justiça, mas um insulto à inteligência pública.

A Procuradoria-Geral da República, ao adotar essa estratégia ambígua, coloca-se como cúmplice silenciosa de um Estado que institucionaliza a impunidade.

4.⁠ ⁠Geopolítica, Estratégia e Interesses Transnacionais

A menção à proteção das instalações da TotalEnergies em Palma não é acidental. Trata-se de um território onde o Estado delega a sua soberania à lógica do capital internacional, militarizando áreas de interesse económico, enquanto deixa as populações civis vulneráveis e expostas.

A relação entre poder político e empresas transnacionais opera sob o princípio da “paz corporativa” — aquela que visa garantir lucros, mesmo que à custa da segurança humana.

A guerra em Cabo Delgado, nesse sentido, é também um projeto geoestratégico, onde o cidadão comum se converte em dano colateral de agendas extraterritoriais.

5.⁠ ⁠Reflexão Moral e Cívica: o Povo já Não Quer Palavras, Quer Justiça

Ao contrário do que os tecnocratas ministeriais possam imaginar, o povo não se encontra em busca de diagnósticos; está farto de estatísticas e seminários.

O que se exige é um Estado que não apenas lamente, mas que aja.

Que julgue os culpados, civis ou militares, insurgentes ou governamentais.

Que rompa com o ciclo de impunidade que protege assassinos com uniforme e chancela pública.

Que não use a guerra como escudo para perpetuar a tirania dos mais fortes.

Conclusão

O Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, ao enunciar verdades já sabidas como se fossem revelações inéditas, demonstra uma desconexão brutal com as exigências reais da cidadania.

A sua performance discursiva, esvaziada de consequência prática, é mais uma palhaçada jurídica e moral, num país onde o direito à vida e à dignidade é condicionado ao extrativismo e à geopolítica do gás. É imperativo romper com esse ciclo.

A antropossociologia ensina que sociedades onde a violência se converte em norma institucional tendem ao colapso ético.

A psicologia social alerta que a injustiça sistemática gera ressentimento e radicalização.

O direito só cumpre sua função se for instrumento de responsabilização e não de retórica.

A filosofia moral exige que se escolha entre o Estado de Direito e o Estado do Medo.

E a ética cívica, finalmente, manda dizer: chega de proclamações — queremos condenações.

 

Fonte da notícia:

Agência Lusa — Cabo Delgado: Ministério da Justiça aponta “impacto negativo” do conflito para direitos humanos

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