Opiniao

A Tragicomédia da Retenção Cambial em Moçambique – Entre o Colapso Moral e a Insolvência Internacional

Tiago J.B. Paqueliua
Tiago J.B. Paqueliua

Por Tiago  J.B. Paqueliua

 

Não como perito em aeronáutica, mas como cidadão envergonhado perante o colapso ético de um Estado que, a pretexto da soberania, transformou-se num operador informal de retenção ilícita.

Refiro-me, com pesar e revolta, à vergonhosa revelação tornada pública pelo jornal Evidências, segundo a qual, o Governo de Moçambique retém, sem fundamento transparente, e em contravenção às normas internacionais, cerca de 205 milhões de dólares norte-americanos de companhias aéreas que operam no nosso território.

Este valor –  sublinho – representa o maior montante retido em todo o continente africano, e quase um quinto do total mundial, segundo a própria Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). Estamos, pois, no pódio da irresponsabilidade internacional. Uma medalha de chumbo pendurada ao pescoço de uma governação que já não distingue entre soberania e delinquência institucional.

Se quisermos dar a este episódio o rigor de uma leitura filosófica, devemos invocar Sócrates e sua máxima imortal: “Uma vida sem exame não merece ser vivida.” Pois bem, esta governação é o retrato de uma existência política que se recusa a ser examinada. Um poder que se blinda ao escrutínio e se embriaga de autocomplacência.

Estamos diante de uma filosofia da vergonha nacional, uma forma degenerada de poder, que abandonou a virtude aristotélica e se entregou ao culto do silêncio, da inércia, e do roubo institucionalizado. Quando um Estado consome o que não lhe pertence, já não é guardião do interesse público – é seu predador.

 

Que tipo de relação internacional pretende um país que ignora alertas da IATA?

Que tipo de parceria se constrói com o mundo, quando se opta por bloquear fundos legítimos e escorraçar, economicamente, aqueles que mantêm a nossa conectividade global?

 

Isso é política externa ou autismo diplomático?

 

Não se trata apenas de uma má decisão administrativa, mas de uma agressão à confiança internacional, de uma sabotagem premeditada ao investimento, ao turismo, e ao próprio direito à mobilidade dos moçambicanos.

A ausência de resposta do governo às várias comunicações da IATA desde 2024, não é simples omissão, mas sim um ato de soberba diplomática, um escarro lançado no rosto da cooperação internacional.

A Convenção de Chicago, assinada e ratificada por Moçambique, consagra a liberdade da aviação civil internacional, e protege os interesses das companhias que operam em regime de reciprocidade. A retenção de divisas, sem processo judicial, sem negociação, sem prazo definido e sem base legal, configura violação flagrante do Direito Internacional, e pode ser interpretada como apropriação ilícita de ativos privados por parte de um ente estatal.

Isto coloca Moçambique, num lugar perigosamente próximo da quebra de contratualidade pública, da inadimplência organizada e, permitam-me, do banditismo financeiro com selo oficial.

Quem prende os capitais das companhias aéreas, está a preparar o funeral da aviação nacional. Quem cria incerteza cambial, expulsa investidores. E quem desrespeita contratos, desvaloriza sua própria moeda e encarece seu próprio futuro, e em breves palavras,  economicamente, arrisca-se a um estratégia deveras suicida.

A retenção destes valores é, sem rodeios, um tiro certeiro no próprio pé de uma economia já fragilizada por corrupção, insegurança jurídica e desgoverno sistemático. É cortar as asas ao turismo, ao comércio e ao transporte de esperança.

 

É ético um Estado confiscar aquilo que não lhe pertence?

 

É moral que um Governo que se diz republicano atue como se fosse dono absoluto de tudo e de todos?

 

É aceitável que um país transforme a sua fraqueza institucional em arma contra os seus próprios parceiros internacionais?

 

O silêncio cúmplice dos gestores públicos neste escândalo não é apenas um erro administrativo – é um crime de consciência.

 

Conclusão

Se está perante um Estado que deixou de prestar contas ao povo, e agora estende sua arrogância para patamares internacionais: também recusa prestar contas ao mundo. Um Estado que mente, omite e desvia – não apenas valores monetários, mas valores morais.

E, por isso, que seria imprudência evitar deixar aqui um alerta à comunidade internacional e à sociedade civil moçambicana:

Não é apenas a aviação que corre perigo. Também a própria idea de república.

Não são apenas os voos que podem ser suspensos. É a nossa dignidade como Nação.

Se não responsabilizarmos hoje os predadores institucionais, eles tornar-se-ão donos impunes do nosso amanhã.

Moçambique não é um cofre sem chave. É uma nação.

E uma nação só existe quando há lei, decência e responsabilidade, em falta na República de Moçambique. (Moz24h)

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