Opiniao

AFINAL, A TOTALENERGIES NUNCA FUGIU DA SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA

Por Tiago J.B. Paqueliua

O Governo de Moçambique, através das autoridades distritais de Palma, enalteceu publicamente a petrolífera francesa TOTAL ENERGIES pelos esforços envidados na reconstrução do distrito após os ataques terroristas de 2021.

Segundo declarações prestadas pelo secretário permanente distrital, Laurindo Luciano, citado pelo canal estatal, Rádio de Moçambique, a empresa manteve o apoio à região, mesmo após a paralisação das suas operações devido os ataques terroristas.

” O retorno do governo em Palma foi graças à TOTAL. Reabilitou a casa onde funciona a secretaria distrital provisoriamente, reabilitou também o hospital, o Comando da PRM, tudo isso para garantir que a máquina governativa funcionasse, ” afirmou o responsável, para depois destacar que a TOTALENERGIES nunca abandonou a população de Palma, tendo continuado com ações de responsabilidade social e apoio institucional ao longo dos últimos anos.

Esta posição surge num contexto em que diversos mega-projectos têm sido informalmente acusados de negligenciar os compromissos de responsabilidade social corporativa. No entanto, esta narrativa é agora posta em causa por indícios de que será o próprio governo o responsável pelo desvio dos fundos alocados a tais finalidades. Um exemplo paradigmático é o da empresa Kenmare, na província de Nampula, frequentemente acusada de não cumprir promessas de asfaltagem da estrada Moma-Nametil e construção de infraestruturas em Topuito.

Informações obtidas apontam para a exigência do governo em controlar os fundos — fundos esses que nunca chegaram ao destino prometido, alimentando suspeitas de corrupção institucionalizada.

Conclusão

A presente notícia, na sua forma aparentemente banal e rotineira, desvenda um retrato nu e cru da inversão de papéis, num Estado cada vez mais encurtado na sua soberania real: já não governa, antes se deixa governar pelos interesses de empresas transnacionais que, pasme-se, substituem-lhe na prestação de serviços públicos elementares.

Que resta ao governo senão aplaudir-se a si mesmo por delegação?

Geoestrategicamente, é um caso gritante de capitulação meticulosamente programada: o Estado moçambicano transformou-se num títere de interesses energéticos globais, hipotecando não apenas os seus recursos naturais, mas a sua própria dignidade, enquanto sujeito de soberania.

A TOTALENERGIES, ao invés de ser um actor complementar, surge agora, como protagonista de uma governação substituta — um sinal de que, em Moçambique, o Estado já não é o primeiro nem o último a servir o seu povo, mas sim, o intermediário opaco que recolhe o dízimo da caridade, para depois o ocultar, em contas e projectos duvidosos.

Antropossociologicamente, o cenário é desolador. Assiste-se a uma simbiose tóxica entre um povo flagelado, uma empresa com imagem a recuperar, e um governo que não se envergonha de subcontratar a sua própria legitimidade social. O pacto social, se alguma vez existiu, foi dissolvido numa lama de conivências e silêncios — tudo sob o manto da retórica oficial de “parcerias estratégicas”.

Filosoficamente, o episódio não é senão ode ao niilismo político: o Estado renunciou à ideia de ser um fim em si mesmo, e contenta-se em ser o meio para fins alheios. O valor da cidadania desvanece-se, perante a glória da subsidiariedade empresarial, como se para o Estado já não fosse um dever ético, mas um acidente administrativo, à espera da boa vontade alheia.

Ética e juridicamente, a situação roça o obsceno. O governo exige controlar os fundos destinados à responsabilidade social corporativa, apenas para depois os desviar, como se a corrupção já estivesse legalizada por decreto não escrito. A inversão do ónus da culpa — culpando as empresas por omissões que nascem no seio do próprio aparelho estatal — revela uma ética pública prostituída, onde a verdade é moldada ao gosto do poder.

Teológica e moralmente, é um escárnio. Um governo que rouba aos pobres o pouco que os ricos dão, é pior que Pôncio Pilatos: ao menos este lavou as mãos; o nosso, esfrega-as nos bolsos da nação.

A TOTALENERGIES não é santa, mas num país onde o altar do Estado serve apenas para incensar os demónios da impunidade, até o diabo pode parecer redentor.

Em suma, Palma é o palco de uma parábola pós-colonial irónica: um território liberto do terror pela generosidade do capital privado, enquanto o Estado aplaude-se, como quem reconquista um país que nunca governou verdadeiramente.

Resta-nos uma dúvida: Alguma vez Moçambique teve governo?

Se o Estado já não é mais que um recepcionista da caridade alheia, por que insistimos em chamá-lo de governo? Talvez devêssemos apenas renomeá-lo: Estado de Dependência Plenamente Reconhecida.

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