By Luis Nhachote
A campanha eleitoral chegou ao seu epílogo. Ao longo da campanha deu para verificar que até de dentro surgem recados e ou pensamentos desinteressados de gente impoluta. Nesta quarta-feira, nós, moçambicanos iremos às urnas para escolher, dentre os quatro candidatos que vimos nas televisões, redes sociais, jornais e nos grupos do Whatsapp, os seus altos e baixos numa desigual disputa para o ceptro do poder político moçambicano.
À sua ilharga, arrastam-se algumas dezenas de partidos activos em período eleitorais, ilustrando a sazonalidade da política nacional e o oportunismo gritante de uma (nossa?) democracia domingueira. Que fazem bicha na porta da rota e muito estuprada contabilidade pública, para legalmente, comerem também, a sua parte do erário. Uma malandrice à La Moz, há muito chancelada.
Sem ser necessariamente preciso envolver-me em cálculos, quer me parecer que vai ser interessante ver, quem e como será a configuração e validação do segundo candidato mais votado. Que até aqui, os seus direitos (de comer entenda-se) variam conforme a raiva ou a fome do freguês, embora a Constituição, já tísica, contemple esta figura, a concertação é à base de boladas (outra característica a incluir na democracia Moz pela sua múltipla utilidade tal qual a famosa chave-mestra das bicicletas).
Até aqui, a Frelimo e a Renamo, em nome da paridade, têm sido, ambas, os principais responsáveis pelo descalabro do almejado sonho da “unidade nacional” e vão gerindo este país como um casal desavindo confirmando a shakesperiana linha “the thin line between love and hate” e lá vamos nós órfãos de pais vivos mas viciados no ódio visceral e na intolerância genética, lamentavelmente sexual e comportamentalmente transmissível.
Lucidez post-mortem
Vêm estas linhas à propósito de uma carta de um ilustre “académico, jurista” mas mais conhecido por político, o Dr. Òscar Monteiro cujo percurso revolucionário passa por membro do Bureau Político da Frelimo, Ministro do Interior, Director do Gabinete do Presidente da República Popular de Moçambique, Membro da Comissão Permanente do Comité Central, entre outras categorias, sempre na superestrutura, que ilustram a sua sumidade política, importância e igual responsabilidade nos descalabros históricos do país, pese embora a ligeireza e o desinteresse com que aborda as questões. Algumas vezes com um moralismo oco quanto opaco.
Diz, esta ilustra figura, num documento bastante circulado e debatido que que alguns (não diz quantos, nem a qualidade dos mesmos) camaradas “manifestam sérias preocupações sobre a questão da incompatibilidade constitucional entre a função de Presidente da República e a de Presidente de Partidos políticos que vem sendo sistematicamente violada desde a aprovação da Constituição de 2004.
E concluem pela necessidade de se rever os Estatutos do Partido Frelimo que ainda mantêm o princípio da subordinação dos eleitos para os cargos governativos (e administrativos) indicados pelo Partido às instâncias políticas deste mesmo Partido. Estamos a falar do Art. 88 dos Estatutos.”
Não me vou ater aos argumentos jurídicos-políticos da questão, onde o aludido político, jurista e acadêmico navega muito bem, sem incompatibilidade de espécie nenhuma. Vejo nessa elaboração uma enorme, desinteressada e preocupação cidadã. Alguém me esclarece se o inferno ainda não está cheio de boas intenções?
Mas o meu lado jornalístico, e igualmente cidadão, me alerta para o timing desta interpelação. Asseguro-vos, alguns pontos mais acima do desinteresse do jurista e impoluto militante. Fiquei a saber que Nyusi também estranha o timming e o local.
A agenda que se debate, ou se pretende, de novo debater, é antiga, a Samora foi-lhe forçada a convivência com Machungo e fê-lo sem evitar murmurar mais ou menos isto “a mim me dão a cadeira para descansar e a ele o ceptro do poder”. mas o espectro da guerra, o regime militar e o carácter do personagem, fez esquecer essa convivência bicéfala até que Mbuzini resolveu o dilema dos camaradas e Chissano ensaiou uma corrida para recuperar o tempo perdido.
Na Frelimo este assunto, é apenas comparado com o dilema/cancro sucessório. E tende a ficar, sempre, refém dos apetites de quem está de saída. Sim, goste-se ou não deste debate, nos dias que correm, beneficiam apenas o incumbente em processo de desincumbência, isto é a caminho da vida civil.
Sim, o grande beneficiário deste debate é nada mais nada menos que o elefante na sala. E peca, pelo menos do lado do ilustre escriba, por ser mais um argumento a favor de quem fincou pés e só sai do poder praticamente a chutos e pontapés. E pelo que nos é dado a assistir procura afincadamente e de forma, confesso algo doentia, minar o mandato de quem vem, o que se nota pela forma como o fecha a seis chaves, o isola de tudo e todos e o procura comprometer nas cabalas obscuras que engendrou de 2015 a esta parte.
Porquê Chapo? Porquê Agora?
Estranhamente, um partido que se assume maduro, adulto, vangloria-se de uma organização sem par, experiência ímpar e outras coisas mais tão sonantes como retumbantes, venha quase sempre, a terreiro discutir questões estruturantes e durante os seus encontros, regulares, extraordinários, aplauda, saúda, enalteça e encoraja a lucidez, a visão, a liderança dos seus líderes, mesmo quando basta apenas espreitar pela janela e constatar que tudo está descambar (do rei ao reino).
O daltonismo social, de muitos camaradas é forçosamente curado por estes ataques de lucidez post mortem, por estes ensaios de descargos de consciência, ou pior ainda por um fingimento de participação e cidadania quando se está a arranjar cartas para o concerto nocturno com as partes interessadas no assunto. Uma concessão aqui, uma pasta acolá e assim funciona o mágico feitiço ideológico fora dos holofotes da imprensa e enquanto o povo dorme o sono dos sofridos e dos enganados.
Franca e abertamente eu não vejo nisto nada mais nada menos que uma maneira de colocar o mano Chapo numa camisa de forças para que ele contenha as suas ideias de jovem e refreie qualquer tentativa de reformar o partido ajustando-o aos tempos actuais. Os de 25 de Setembro ainda querem mandar e mandam este recado ao miúdo de Cheringoma que caíu de pára-quedas num banquete que não lhe diz respeito e para o qual foi como convidado.
Nyusi deixou um legado muito mau dentro do partido (praticamente transformou-o numa barraca sua e o Estado num clube de amigos e amigas e governou diametralmente oposto e na maior contramão ideológica de qualquer fase da Frelimo (dos tempos da sua pureza ideológica e da moderação multipartidária sob o doce epíteto de social-democracia). Deu vida ao que Kavandame defendia: A tribo primeiro a nação depois e se houver tempo.
Os camaradas, depois de algum concerto, permitiram o jurista, fazer as notas que partilha, apresentar as linhas mestras para Chapo mas acima de tudo evitar que outro Nyusi surja e o país fique perdido na floresta dos apetites pessoais por mais 10 longos anos. A debatida carta não passa de uma acta lavrada pelo jurista de um grupo de ex-jovens que convergiram a dar-Es-Salaam e ainda querem mandar 60 anos depois. Não têm netos?
Esta abordagem, justificada ou não, demonstra que os camaradas libertadores, não confiam, ou deixaram de confiar, na juventude depois de nos últimos 10 anos terem estado em parte nenhuma, e à mercê dos apetites de uma pessoa que fez e desfez de uma entidade sexagenária, madura, adulta e experiente, que agora tem medo de outro jovem. “os jovens vão vender o país” terá Nyusi, à sua maneira, cumprido a profecia?
Eu acho que devem deixar o jovem trabalhar e focarem-se no acerto de contas, judicialmente, ou das formas que muito bem conhecem e dominam, até porque cabe e há muita matéria, com o bon vivant que está de saída.
E já que estamos em campo de recados eis os meus: que o partido retome a normalidade estatutária, reúna os órgãos, discuta o país, da acumulação de capital, a sucessão, a descentralização (incluindo os poderes presidenciais), os mandatos, a defesa e a segurança, o crime, a educação, a economia, infraestruturas e por favor: dancem pouco, saúdem pouco e trabalhem muito porque o país ainda depende de vós e só desta forma a Frelimo voltará a servir os interesses da maioria e não desses perigosos grupinhos com quem vocês têm reunido, bebido e dormido nos últimos anos. (X)