A ReCommon publicou ontem o seu relatório intitulado “Chamas Ocultas” sobre os impactos climáticos do projecto Coral South FLNG da ENI ao largo da costa de Moçambique. Segundo o relatório trata-se de uma análise de dados públicos e imagens de satélite examinadas pela organização e seus consultores que expoe ainda vários problemas ambientais que não forma sanados e “que a planta de extracção e liquefacção de gás da ENI tem sido responsável por numerosos fenómenos de flaring desde que iniciou as suas operações em 2022” e que alguma informacao não foi devidamente tratada pela petrolífera
“O flaring é a prática de queimar o excesso de gás extraído juntamente com outros hidrocarbonetos, o que tem grandes impactos no clima, no ambiente e – perto dos zonas habitadas – nas pessoas.”
O relatório revela que Só entre Junho e Dezembro de 2022, as operações de flaring poderão ter desperdiçado 435 mil metros cúbicos de gás, o equivalente a cerca de 40% das necessidades anuais de Moçambique. Mas os incidentes também se repetiram em vários outros dias nos anos seguintes.
De acordo com as estimativas do ReCommon, baseadas em dados da NASA, por cada hora de flaring que ocorreu apenas em um dia – 13 de Janeiro de 2024 – , a ENI terá queimado tanto gás quanto o consumo de uma família italiana normal em oito anos e meio.
A empresa transnacional italiana garantiu em documentos públicos que “os investimentos foram efectuados em plena conformidade com as normas da Corporação Financeira Internacional (IFC- International Finance Corporation) e os Princípios Equatoriais (sic)”. No entanto, a “plena conformidade” ostentada pela ENI traduz-se, na verdade, nas emissões totais do Coral South FLNG terem sido subestimadas em sete vezes.
No estudo de impacto ambiental do projecto, que atribuiu pouca importância ao flaring, as emissões totais da plataforma foram avaliadas como “negligenciáveis”, estimadas em apenas 150 mil toneladas de CO2e por ano.
No entanto, dados do Banco Mundial revelam que, apenas nos seis meses entre Junho e Dezembro de 2022, as emissões ascenderam a 1.098.188 tCO2e. Dado que as emissões totais de Moçambique para 2022 foram de 10.028.180 tCO2e, em seis meses, as emissões de flaring apenas desta plataforma representaram 11,2% das emissões anuais de Moçambique, um aumento de 11,68% em relação a 2021.
Globalmente, o total de emissões associadas a toda a cadeia de valor do Coral South FLNG e do projecto-irmão Coral North FLNG, (ainda por construir, para o qual a ENI está a procurar capital no mercado), durante os seus 25 anos previstos de funcionamento, ascenderia a mil milhões de toneladas de CO2e, ou seja, mais do triplo das emissões de Itália só em 2023.
Na assembleia geral de accionistas da ENI de 2024, a uma pergunta colocada pela ReCommon sobre eventuais incidentes de flaring relacionados com o Coral South FLNG, a empresa respondeu que tais incidentes “foram limitados à fase inicial de testes e a casos esporádicos de reinício da instalação.”
Esta declaração contradiz frontalmente o que a GALP observou em Setembro de 2023, a contraparte portuguesa da ENI, que na altura detinha uma participação no projeto Coral Sul. Num documento preparado para o Climate Disclosure Project (CDP), uma organização sediada no Reino Unido e uma das vozes internacionais mais credenciadas na comunicação de impactos ambientais e sociais no mundo empresarial, a GALP relatou “A fase de comissionamento do Coral FLNG, em Moçambique, envolveu flaring intenso, resultando num aumento temporário das emissões Tier 1 durante o segundo semestre de 2022.” Ou seja, o período de tempo já mencionado como um dos mais caracterizados pelo fenómeno do flaring do gás.
“A principal empresa transnacional italiana prepara-se para bater à porta dos financiadores públicos e privados para a construção do Coral North FLNG, com a agência de crédito à exportação italiana SACE e a Intesa Sanpaolo na primeira fila, às quais se juntam a KEXIM e a K-Sure da Coreia do Sul. Perguntamo-nos como é que estas instituições, depois de terem financiado o Coral South FLNG na sequência de uma diligência ambiental deficiente, podem fazer o mesmo com o projecto irmão Coral North FLNG sem sequer considerarem os impactos associados ao flaring do gás”, afirmou Simone Ogno do ReCommon.
“A tão apregoada “bandeira” da cooperação entre a Itália e Moçambique nunca o foi: com manobras desajeitadas, a ENI tentou esconder as dificuldades operacionais e subestimou os efeitos do flaring associados ao Coral Sul FLNG, um projecto que não traz segurança energética nem para a Itália e muito menos para Moçambique. Num país em que a violência sistémica e os impactos ambientais estão também ligados às actividades mineiras, a contribuição da ENI é, em grande parte, sob a forma de emissões que alteram o clima. Um cenário que corre o risco de se deteriorar com o novo projecto Coral North FLNG”, acrescentou Eva Pastorelli, da ReCommon.