Por Jerry Maquenzi
Recentemente, Moçambique tem promovido “kits de auto-emprego” para jovens como uma estratégia de combate ao desemprego. Motocicletas, kits agrícolas, bancas e instrumentos de alfaiataria são distribuídos, simbolizando o compromisso do Estado com a juventude. No entanto, essas entregas cerimoniais escondem uma realidade preocupante: a precariedade disfarçada de oportunidade.
Em vez de resolver as causas do desemprego juvenil, como a falta de educação, exclusão produtiva e fraco desenvolvimento económico nas zonas periféricas ou rurais, o governo transfere o risco para os jovens, incentivando-os a empreender em condições difíceis. Essa abordagem não resolve o problema do desemprego juvenil e pode aumentar a frustração, precariedade e desresponsabilização estatal.
Este artigo de opinião argumenta que a abordagem centrada na distribuição de kits de auto-emprego não deve ser a principal estratégia das políticas públicas de juventude em Moçambique. Em vez disso, propõe-se um conjunto de alternativas estruturais que estejam alinhadas com a realidade da juventude moçambicana, especialmente nas áreas rurais e semiurbanas.
A questão dos kits: entre improviso e pragmatismo
A distribuição de kits de auto-emprego apresenta uma considerável atracção política, permitindo ao governo demonstrar acções visíveis e rápidas, especialmente durante períodos eleitorais ou em tempos de tensão social. No entanto, essa abordagem tem sido frequentemente implementada de maneira genérica, muitas vezes sem um diagnóstico adequado, acompanhamento técnico ou avaliação real do impacto.
A ideia de que um jovem, com um pequeno investimento inicial, pode rapidamente;mudar de vida; e tornar-se um empreendedor de sucesso é uma ilusão. Empreender em Moçambique — assim como em muitos outros países africanos — apresenta diversos desafios, especialmente para jovens que têm acesso limitado à educação, carecem de redes de apoio e capital social, e vivem em contextos marcados pela
escassez.
Distribuir kits em áreas sem electricidade, com estradas intransitáveis e mercados fracos é como dar remédios sem consultar o paciente. Ao invés de promover a autonomia dos jovens, o Estado perpetua a informalidade e a sobrevivência.
Empreendedorismo não pode substituir o papel do Estado
O discurso sobre "juventude empreendedora; é promovido por instituições públicas,
organizações internacionais e ONGs para que os jovens se tornem agentes de transformação, assumindo riscos e criando oportunidades. Incentivar inovação, criatividade e iniciativa são aspectos valiosos deste discurso.
No entanto, é essencial reconhecer as limitações sociais, económicas e estruturais do empreendedorismo em contextos caracterizados por pobreza e exclusão. O acto de empreender demanda: Competências técnicas e de gestão; Alfabetização funcional e financeira; Acesso a crédito e garantias mínimas; Infra-estruturas adequadas (estradas, Internet, electricidade); Políticas públicas de apoio e protecção social.
Ignorar esses elementos torna o empreendedorismo uma "retórica vazia". O jovem que recebe um kit sem saber gerir finanças, ler contractos ou acessar clientes está fadado ao fracasso e à estigmatização como alguém que "não aproveitou a oportunidade; Promover o empreendedorismo sem criar as condições necessárias é uma forma do Estado evitar sua obrigação de garantir trabalho digno, segurança social e bem-estar colectivo.
O desafio do analfabetismo juvenil
A eficácia dos kits de auto-emprego é comprometida pelo alto analfabetismo juvenil, especialmente nas zonas rurais. Dados recentes mostram que centenas de milhares de jovens moçambicanos, entre 15 e 35 anos, não dominam leitura, escrita ou cálculo básicos, apesar de terem concluído a escola primária.
Como é possível que jovens gerenciem negócios, calculem lucros e perdas, elaborem pedidos de crédito ou se organizem em cooperativas sem as ferramentas necessárias?
Antes de pensar em kits de auto-emprego, é necessário garantir uma educação básica com qualidade e aplicação prática.
A implementação de programas de alfabetização para jovens e adultos, com conteúdos adaptados à realidade local (como por exemplo, alfabetização em contexto agrícola, comercial ou artesanal), constitui um passo essencial para preparar a juventude para qualquer forma de inserção produtiva, seja através do trabalho autónomo ou no âmbito de empresas formais.
O risco da precarização e da informalidade
Muitos jovens que recebem kits de auto-emprego acabam na economia informal, sem protecção laboral, crédito, direitos básicos ou segurança. Vendem produtos em mercados superlotados, oferecem serviços sob intensa concorrência e são vulneráveis a choques externos como doenças, aumento de preços, roubo e instabilidade política.
Na prática, o que se promove é um modelo de “auto-exploração”: o jovem trabalha por conta própria, sem descanso, sem salário fixo, sem benefícios sociais. Em vez de cidadania económica, o que se promove é sobrevivência com aparência de empreendedorismo. Isso tem implicações sérias para o desenvolvimento nacional. Uma juventude precarizada não pode sustentar uma economia dinâmica, inovadora e inclusiva. O país perde em produtividade, estabilidade e coesão social.
Cinco abordagens estruturais para políticas juvenis
Diante deste cenário, torna-se imperativo reconsiderar as políticas públicas voltadas para a juventude em Moçambique. A seguir, são apresentadas cinco propostas complementares, que podem substituir ou complementar o modelo de kits, com foco no médio e longo prazo.
1. Alfabetização funcional e formação técnica adaptada
Criar programas de alfabetização funcional para jovens fora da escola, com foco em competências práticas para o trabalho. Integrar essa formação com cursos técnicos curtos, certificados e com estágio supervisionado. A formação deve se alinhar aos sectores produtivos locais: construção civil, agro indústria, energias renováveis, pesca, turismo e serviços comunitários.
2. Emprego público produtivo com dignidade
Desenvolver programas públicos de emprego juvenil em sectores estratégicos, como: Reflorestamento; Infra-estrutura rural (poços, estradas, pontes); Limpeza e saneamento urbano; Agricultura comunitária;
Cuidados comunitários (apoio a idosos, crianças, escolas).
Esses empregos podem ser temporários, mas incluem remuneração justa, direitos básicos, formação no trabalho e um plano de transição para o sector privado ou auto- emprego qualificado.
3. Apoio real a cooperativas e microempresas colectivas
Formar cooperativas de jovens, fornecendo apoio técnico contínuo, acesso a crédito rotativo, compra garantida dos produtos e incubação de negócios. Direccionar compras públicas de escolas, hospitais e programas de nutrição para essas cooperativas.
4. Criação de zonas económicas de juventude
Estabelecer zonas experimentais de juventude produtiva, com: Acesso à terra ou espaços produtivos; Infra-estrutura básica (estradas, energia, Internet); Acompanhamento técnico permanente; Ligação com ONGs, universidades e empresas. Essas zonas podem ser centros de inovação, fixando jovens no campo com dignidade e participação local.
5. Participação juvenil nas decisões
Criar e fortalecer mecanismos de participação juvenil em conselhos distritais, fóruns comunitários e plataformas digitais. A juventude precisa ser ouvida na elaboração dos planos de desenvolvimento local, nos orçamentos participativos e na fiscalização de políticas públicas.
Conclusão: juventude quer dignidade, não improviso
Moçambique enfrenta um desafio geracional significativo. A juventude constitui a maioria demográfica e a base do futuro nacional. Atender às suas demandas por emprego e dignidade requer abordagens planeadas e sustentáveis, e não medidas improvisadas ou discursos motivacionais sem fundamentação concreta.
O modelo centrado na entrega de kits de auto-emprego é limitado, frágil e, muitas vezes, contraproducente. Pode criar uma falsa sensação de oportunidade, esconder a precariedade real e desresponsabilizar o Estado das suas obrigações constitucionais.
A juventude moçambicana precisa de políticas estruturantes, com base na justiça social, no direito ao trabalho, no acesso à educação de qualidade e na construção de alternativas produtivas viáveis. Precisa ser tratada como sujeito político e força criadora — não como problema ou estatística eleitoral. Mais que kits, a juventude quer caminhos. Mais que promessas, quer dignidade. E mais que retórica, exige futuro.