Opiniao

O Elogio da Impunidade: A Lógica Meritocrática da Devastação Moral em Moçambique

Por Tiago J.B. Paqueliua

Há uma simbiose perversa entre o mérito político e a falta de vergonha que se converteu, em Moçambique, numa verdadeira via crucis institucional — onde o altar do mérito estatal é reservado não à virtude, mas à vassalagem bem-sucedida ao Partido-Estado. Os casos de figuras como Brazão Mazula, Arão Litsuri, Américo Lalela ou, mais recentemente, Imede Falume não são meros acidentes éticos: são emblemas trágico-circenses da lógica do poder institucionalizado como altar sacrificial da moral republicana.

Estamos perante uma ética da recompensa à fidelidade tribal disfarçada de Estado moderno. Trata-se da cristalização de uma aristocracia partidária que recorre à gestão do Estado como mecanismo de distribuição de prebendas, um lamentável  aniquilamento da noção de virtude republicana, onde o bem comum é ultrajado por deliberações tomadas sob o véu opaco de “ordens superiores”.

Mas avancemos com alguma sátira, que o sangue quente também se refrigera com humor negro: Em Moçambique, ser cúmplice da fraude é sinónimo de currículo. É uma espécie de bolsa de mérito. Quando outros países premiam a integridade, aqui premia-se a infâmia eficiente. Vejamos:

Dr Brazão Mazula, após assegurar que o “voto do povo” desaguasse convenientemente na barragem da FRELIMO, foi investido Reitor da Universidade Eduardo Mondlane. Porque, naturalmente, nada forma melhor as consciências do que recompensar um árbitro vendido com o bastão da academia.

Dr Arão Litsuri, que confundiu o Conselho Nacional de Eleições com uma extensão do Comité Central, foi premiado com o pastoreio das almas nacionais, como Director Nacional dos Assuntos Religiosos. Foi reconfortante saber que o rebanho espiritual do país estava nas mãos de quem já sabia conduzir massas à cova da resignação.

E claro, o Dr. Américo Lalela, cuja toga no Tribunal Constitucional mais parecia um avental cerimonial da Maçonaria Partidária, foi recentemente promovido a Procurador-Geral da República — uma função ideal para quem já demonstrou perícia em arquivar a verdade.

Mas o troféu da impunidade caricatural vai, sem dúvida, para Imede Falume, o novo (e velho) Director Nacional das Florestas e Fauna Bravia — um homem cujo currículo ambiental é uma espécie de comédia trágica escrita em toros de pau-ferro. Este senhor foi protagonista numa série de episódios que fariam corar de inveja qualquer cartel madeireiro colombiano: desde autorizações ilegais de quotas de exploração, passando pelo desaparecimento mágico de contentores de madeira valiosa, até às ligações sussurradas com redes de contrabando que financiam a insurgência islâmica em Cabo Delgado.

E qual foi a consequência? Promoção. Ou, para usar o vernáculo da máfia, foi “agradecido”. Porque em Moçambique, a cadeia alimentar da responsabilidade termina exactamente no degrau onde começa a pirâmide partidária.

Do ponto de vista jurídico, é uma tragédia kafkiana. A lei é clara: compete ao Conselho de Ministros definir quotas florestais. E o que faz Imede Falume? Assume-se como demiurgo da madeira, rei das quotas, legislador improvisado à moda do absolutismo tropical. A resposta institucional? Nomeação para um cargo superior. A mensagem? Em Moçambique, a criminalidade não é reprimida — é institucionalizada.

Do ponto de vista ético e moral, estamos perante um desmoronamento civilizacional. O Estado perdeu a vergonha. E com ele, o povo perde a esperança. O cidadão comum que não tem “ordens superiores” que o protejam é tratado como delinquente por pequenos delitos administrativos. Enquanto isso, os verdadeiros violadores da lei são promovidos à categoria de salvadores da pátria.

Seria cómico, não fosse trágico. Seria patético, não fosse tão sistemático. É como se a máquina do Estado funcionasse com um algoritmo muito simples: “Quem protege a máfia, sobe; quem denuncia, desaparece”.

A destruição de 4 milhões de hectares de floresta nos últimos 20 anos não é apenas um número. É um epitáfio gravado no corpo de um país saqueado por seus próprios zeladores. É o retrato da “governança” como pilhagem. A floresta desaparece, a justiça evapora-se, e o povo assiste a tudo como se estivesse a ver uma novela venezuelana transmitida em directo desde os corredores do poder.

É tempo de nomear as coisas: isto não é apenas corrupção. É terrorismo administrativo, mascarado de meritocracia, em que os prémios são distribuídos não pela excelência, mas pela subserviência — não pelo serviço ao povo, mas pela lealdade ao regime.

Moçambique tornou-se um laboratório macabro onde se estuda a longevidade da mentira institucional. E enquanto o povo não perceber que a verdadeira luta não é entre partidos, mas entre civilização e barbárie, a floresta continuará a desaparecer, os navios de madeira a zarpar misteriosamente para a China, e os Drs. do regime a subir de posto com a mesma rapidez com que descem os níveis da decência pública.

O que nos resta? A denúncia? Aonde? A memória. A indignação. E, se necessário, a desobediência. Porque há momentos na história em que obedecer a um sistema injusto é compactuar com o crime.(Moz24h)

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