Entre o Poder Tecnopolítico e a Morte da Cidadania: Diálogos Intertemporais sobre o Controle Social por Algoritmos, Burocracias e Armas
Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
Este ensaio tece um diálogo entre pensadores clássicos e contemporâneos em torno da crise política moçambicana, marcada pela ascensão de uma tecnocracia autoritária. Busca-se desvendar os alicerces ético-políticos, filosóficos, epistemológicos e tecnológicos que sustentam o controle social operado por elites partidárias em conluio com tecnocratas e redes corporativas, sob o verniz de “eficiência” e “ordem”. O modelo moçambicano é lido como um laboratório de um novo colonialismo automatizado e algoritmizado. O texto caminha entre Platão e Zuboff, entre Fanon e Harari, traçando um arco histórico-intelectual que denuncia a falência ética da gestão tecnopolítica moçambicana.
Palavras-Chave:
Tecnocracia; Autoritarismo; Ética; Algoritmos; Moçambique; Colonialismo Digital; Frantz Fanon; Shoshana Zuboff; Poder Tecnopolítico.
I. Introdução
Moçambique vive, não apenas uma crise política ou econômica, mas uma catástrofe ética. O país opera sob um modelo de tecnocracia autoritária, onde decisões cruciais são tomadas por elites técnicas cooptadas pelo partido-Estado, desprovidas de responsabilidade pública e blindadas pela opacidade algorítmica e burocrática. A governança transformou-se em uma simulação matemática da dominação. Este ensaio propõe um diálogo entre os grandes pensadores da humanidade para examinar este dilema — que é ao mesmo tempo ético, político, tecnológico, sociológico, epistemológico e teológico.
II. Platão, Confúcio e Maquiavel: A Sombra dos Reis-Filósofos e a Virtude sem Ética
Platão, na República, defende que os governantes devem ser filósofos — conhecedores do Bem. Contudo, em Moçambique, a elite tecnocrática se crê “filósofa” porque detém diplomas, mas sua relação com a aletheia (verdade) é nula. Confúcio advertiria que não há te (virtude) onde há corrupção, mentira e desonra pública. Maquiavel, por outro lado, antecipou que o Príncipe moderno poderia manipular a técnica como instrumento de dominação, desde que mantivesse o “aparato da aparência” de legalidade — exatamente o modus operandi das elites moçambicanas.
III. Max Weber, Hannah Arendt e a Burocracia como Máquina da Servidão
Max Weber identificou a burocracia como o coração do Estado moderno. Em Moçambique, essa estrutura se tornou uma armadilha de controle e exclusão social. Hannah Arendt denunciaria a banalidade do mal das tecnocracias — onde crimes éticos são cometidos por funcionários “obedientes”, tecnicamente competentes, mas moralmente desprovidos de juízo.
IV. Frantz Fanon, Achille Mbembe e o Pós-Colonialismo Cibernético
Fanon veria na tecnocracia moçambicana o renascimento da burguesia nacional colonizada, que substituiu o colonizador apenas para perpetuar sua lógica. Achille Mbembe, ao falar de necropolítica, daria nome ao que se vive: o uso da tecnologia estatal para decidir quem vive, quem morre, quem fala e quem silencia.
V. Michel Foucault, Giorgio Agamben e o Biopoder Algorítmico
Foucault descreveu o biopoder — o controle dos corpos e da vida. Em Moçambique, esse poder é automatizado: vigilância digital, biometria eleitoral, e exclusão digital programada. Agamben complementa: estamos todos reduzidos à “vida nua”, passíveis de exceção, enquanto o regime goza da impunidade legal contínua.
VI. Shoshana Zuboff, Yuval Noah Harari e o Capitalismo de Vigilância
Zuboff introduz o termo “capitalismo de vigilância”, mostrando como dados pessoais são usados para prever e manipular comportamentos. Harari alerta que o futuro da tirania será digital e biométrico. Moçambique, sem soberania digital, terceiriza seus dados a corporações aliadas ao partido dominante — matando a cidadania por antecipação.
VII. Cornel West, Paulo Freire e a Morte do Sujeito Crítico
Cornel West denunciaria o cinismo moral das elites africanas. Freire, por sua vez, diria que a tecnocracia moçambicana transformou o povo em objetos administráveis, sem acesso ao saber libertador. A alfabetização crítica foi substituída por treinamentos técnicos para manter a ordem do sistema.
VIII. Byung-Chul Han, Deleuze e o Sujeito do Desempenho: A Punição Invisível
Han fala da sociedade do desempenho: a opressão é internalizada. Deleuze cunha o termo “sociedade de controle” — onde a punição não se dá por chicote, mas por algoritmo. O cidadão moçambicano é controlado por sistemas digitais, fichas escolares, redes sociais monitoradas e registos biométricos — sob a aparência de “modernização”.
IX. Noam Chomsky, Naomi Klein e o Complexo Tecnológico-Estatal
Chomsky identificaria a aliança entre a tecnocracia e o imperialismo corporativo. Naomi Klein revelaria o “doutrinamento do choque” — onde crises são fabricadas para impor reformas que beneficiam elites. As Tecnologias da Informação são usadas, em Moçambique, para reforçar o autoritarismo e justificar a exclusão social.
X. Gilles Cistac, Nelson Mandela e o Ideal Constitucional Traído
Cistac acreditava na descentralização como instrumento de justiça. Mandela via a política como um serviço ético. Ambos seriam assassinados — um literalmente, outro simbolicamente — pelo projeto tecnocrático de poder centralizado, blindado por algoritmos e normas intransigentes.
XI. Gordon H. Clark, Vincent Cheung e o Problema Ético do Conhecimento Técnico sem Verdade
Clark defende que toda ética exige uma metafísica da verdade. Cheung diria que a tecnocracia sem Deus é apenas uma máquina moralmente vazia. Em Moçambique, a técnica virou fetiche: o saber técnico justifica o roubo, a exclusão e o homicídio administrativo.
XII. Boaventura de Sousa Santos e a Epistemologia do Sul Ignorada
Boaventura argumenta que o saber popular é sufocado por uma razão tecnocrática. A elite moçambicana ignora os conhecimentos locais, as práticas comunitárias e a pluralidade epistêmica — preferindo a imposição de modelos estrangeiros de governança digital.
XIII. Conclusão: Entre a Máquina e o Espírito
O dilema ético da tecnocracia autoritária moçambicana reside na disjunção entre a técnica e a justiça, entre o algoritmo e a alma. A solução não é abolir a técnica, mas submeter o poder técnico ao crivo da ética, da justiça social e da soberania popular. O futuro de Moçambique depende da recusa coletiva à dominação tecnocrática e da retomada da política como espaço de escuta, justiça e liberdade.
Epílogo
Ou Moçambique se emancipa da tecnocracia que o devora por dentro, ou o país se tornará um museu do autoritarismo digital africano — um cemitério de dados, corpos e consciências.
Glossário
Tecnocracia: Governo ou domínio exercido por técnicos especializados, geralmente afastado das exigências éticas e sociais.
Necropolítica: Política que determina quem deve viver e quem deve morrer.
Capitalismo de Vigilância: Modelo econômico baseado na extração de dados comportamentais para controle e lucro.
Biopoder: Controle da vida e dos corpos por instituições do Estado.
Epistemologia do Sul: Proposta de valorização dos saberes e práticas dos povos historicamente marginalizados.
Referências Bibliográficas
1. Platão. A República.
2. Confúcio. Analectos.
3. Maquiavel, Nicolau. O Príncipe.
4. Weber, Max. Economia e Sociedade.
5. Arendt, Hannah. Eichmann em Jerusalém.
6. Fanon, Frantz. Os Condenados da Terra.
7. Mbembe, Achille. Necropolítica.
8. Foucault, Michel. Vigiar e Punir.
9. Agamben, Giorgio. Homo Sacer.
10. Zuboff, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância.
11. Harari, Yuval Noah. Homo Deus.
13. Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido.
13. West, Cornel. Democracy Matters.
14. Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço.
15. Deleuze, Gilles. Post-scriptum sobre as Sociedades de Controle.
16. Chomsky, Noam. Who Rules the World?
17. Klein, Naomi. A Doutrina do Choque.
18. Cistac, Gilles. Reflexões Constitucionais em Moçambique.
19. Clark, Gordon H. A Christian View of Men and Things.
20. Cheung, Vincent. Ultimate Questions.
21. Santos, Boaventura de Sousa. Epistemologias do Sul.
