Por Josué Bila
Não sei por qual razão, pessoalmente, considero Samora Machel Jr. raso na intelectualização republicana dos problemas moçambicanos e fraco na produção de ideias político-filosóficas de que o País é carente. Talvez os meus amigos mais próximos e aqueles que acompanham os mesmos escritos há 20 anos saibam. Eu não sei. Não sei mesmo. Nem tão pouco.
Para quem tem acesso ao Poder, circula em ambientes palaciais e provido de uma excelente educação escolar desde criança, para além de que pode ter assessores dos mais intelectual e academicamente robustos, o que Machel Jr. profere é a reprodução da cidadania rancorosa, a qual não procura os factores-causais dos problemas que enfrentamos, mas aponta culpados emergentes, como se a História política moçambicana – suas corrupções ético-morais, suas violências sangrentas e simbólicas e suas pobrezas económicas – tivesse começado quando a minha geração, que nasceu depois da Independência Nacional, despontou-se-lhe os primeiros sinais de barba branca. Afinal, que lêem, que filmes e documentários assistem, em que teatros vão, que centros de debates democrático-republicanos frequentam, que assessoria recebem e que sermões eclesiásticos ouvem os moçambicanos que não fazem contas para comprar, de uma só vez, cinco apartamentos, com vista ao mar?
Consequentemente, a carência de políticos republicanos, em Moçambique, permite que qualquer coisa do senso comum que Samora Machel Jr. verbaliza se torne público. A imprensa e todos canais reprodutores de informações, como as já consagradas redes sociais, deleitam-se com umas palavras e frases abjetas, de valor politicamente provinciano e voltadas para os umbigos apreensivos pelo presente, como se este presente fosse uma dádiva celestial, sem intervenções das nossas ideologias casmurras e práticas securitárias violentas, inscritas na nossa História política. Para quem não foi favorecido pelos deuses, no que concerne às abstrações, posso lembrá-lo de que os termos que o fidalgo-mor Samora Machel, a exemplo de que o partido está a ser avassalado pelos “infiltrados” remete a discursos políticos reprodutores de um passado político violento, que fustigou Moçambique – e quem pode afirmar que até hoje, os bestalhões não actuam à luz do dia, ao exorcizar as suas práticas casmurras e violentas -, quando o Marxismo-Leninismo de que a FRELIMO e o “pai Machel” tinham encarnado e a partir do qual abatiam os “inimigos”, os “infiltrados”, os “boateiros” e os “chiconhocas”.
Esses termos, e já agora “os infiltrados”, são traumáticos e deveriam não constar do vocabulário público de pessoas que almejam posições políticas de relevo na FRELIMO, e quando proferidos pelo filho de um ex-mandante moral dos assassinatos e das perseguições (àqueles que não se posicionavam alinhadamente à mesa das orgias da FRELIMO), enquanto Chefe de Estado e Comandante-em-Chefe das Forcas de Defesa e Segurança (1975-1986), está talvez claro que falta no Júnior algumas éticas no uso de certos termos “violentos”, encrustados na nossa memória colectiva, e falta, ainda, temperanças político-republicanas, associadas obviamente à democracia liberal. O que observo na FRELIMO não são “infiltrados”, mas, sim, a falta de uma bússola republicana, a partir da qual os critérios ideológicos, inscritos nos valores de democracia liberal, seriam a base pela qual os membros do partido se candidatariam, para quaisquer cargos, inclusive para o posto presidencial da República de Moçambique. É, mais uma vez, lamentável que pessoas que têm acesso ao Poder, assessoria politicamente robusta, educação escolar de qualidade, acesso ao conhecimento de ideologias políticas e versões de desenvolvimento económico lancem fumaças políticas momentâneas, sem utilidade política e histórica, para debates aprofundados sobre o que pretendemos com Moçambique. Naquela minha ironia bem suburbana, posso aventar a hipótese segundo a qual os palácios moçambicanos servem para se trocar cuecas vermelhas e não para se debater ideias republicanas, para transformações políticas, com implicações económicas e sociais. A perdição moçambicana localiza-se também nos palácios.
O que Moçambique pretende talvez não seja apontar os culpados dentro do Partido, mas desafiar a todos nós sobre o porquê e como, com muita facilidade, desviamo-nos das regras republicanas e das éticas sociais, a partir das quais tornamo-nos sabotadores da Política estatal, governamental, municipal, eleitoral, familiar, empresarial, educacional, partidária, eclesiástica e outras. Por exemplo, embora a RENAMO de que os incautos locais têm esperança esteja na oposição, o seu comportamento, desde 1992, não inspira o uso de mecanismos democráticos, a nível interno. Aliás, se a RENAMO fosse um partido de homens e mulheres que têm requintes republicanos e sofisticações democráticas não teria nem de perto e nem de longe “escolhido” Issufo Momade, como presidente da maior força oposicionista de Moçambique. Momade é casmurro e reles, para aspirações democráticas nacionais. Da mesma forma, o partido no Poder, nem de perto e nem de longe teria escolhido uma “bacela política ridícula”, como Jacinto Nyusi. Nyusi é, politicamente, rafeiro, para preencher requisitos republicanos de que Moçambique almeja. Ele representa uma das tantas maldições que assolam o País. Devo confessar que também o actual “chairman” da RENAMO é vigorosamente uma “bacela política ridícula”. A bacela, nos nossos mercados, é dada, se houver, depois das compras. Não é o principal meio pelo qual o negócio é movido. Ou seja, a bacela pressupõe um produto que é oferecido ao comprador e depende, às vezes, não só de sua existência na banca do vendedor, mas também da boa vontade do vendedor. E a bacela, às vezes, pode ser uns tomates de segunda mão, no caso de o cliente ter comprado tomate, por exemplo. O que se passa nas malhas políticas em Moçambique, desde a Independência, é contentarmo-nos com os tomates institucionais de segunda mão, desprezando, infelizmente, tomates de primeira. Politicamente, tanto Issufo quanto Nyusi representam essas bacelas ou esses tomates de segunda mão. No caso das posições chaves nas nossas instituições, cabe a generalização, são nomeadas ou escolhidas as “bacelas políticas” ou tomates de segunda mão e não os principais Homens republicanos e democráticos. Moçambique, enquanto uma família, sempre se contenta que a sua cozinha use tomates de segunda mão, mesmo que os tomates de primeira estejam à sua disposição. Quando costumo acertadamente apontar que somos rafeiros e grosseiros, provincianos e babaquaras, refiro-me também a esse nosso mau gosto de se deixar dirigir por tomates de segunda mão.
A pressa recorrente de resolvermos os problemas torna o País num espaço em que os culpados (“os infiltrados”) sempre são conhecidos e abatidos, mas os factores subjacentes àqueles problemas desconhecidos, e se conhecidos são afastados os cidadãos tecnicamente capazes, com sofisticação político-republicana. Precisamos, por assim dizer, de procurar as razões que estão por detrás de amarmos as piores “bacelas políticas ridículas” do que os melhores republicanos que existem nas prateleiras do supermercado moçambicano de saberes e políticas. Samora Machel Jr. não faz parte, certamente, dos Homens existentes no supermercado moçambicano de saberes refinados e de políticas sofisticadas. Merecemos mais!!! (Moz24h)