Opiniao

Crónica | Viaturas oficiais sem vidros, o retrato de uma normalidade perigosa

Por Quinton Nicuete

 

Nas ruas poeirentas de Pemba cruzam-se todos os dias dois camiões que chamam a atenção, não pela imponência do motor nem pelo brilho da pintura, mas pela ausência de algo essencial, o vidro dianteiro.

Um deles pertence ao Conselho Municipal da Cidade de Pemba, habituado a transportar lixo e entulho pelos bairros. O outro, de igual resistência e desgaste, é do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP) e leva diariamente funcionários que residem na cidade até à cadeia de Mieze, a vários quilómetros do centro urbano. Ambos circulam sob o olhar indiferente das autoridades de trânsito, como se conduzir sem vidro frontal fosse prática regulamentar.

Enquanto os dirigentes desses sectores circulam em viaturas modernas, equipadas com vidros fumados, ar condicionado e todas as condições de conforto e segurança, os motoristas desses camiões enfrentam o oposto. O camião do município, sem chapa de matrícula e com a carroçaria visivelmente degradada, e o do SERNAP, identificado com a matrícula AEY 735 MP, seguem pelas estradas de Pemba com os condutores a usarem máscaras e óculos para se protegerem da poeira, dos insetos e até de pequenos objetos que o vento atira contra o rosto. Uma improvisação de sobrevivência que dispensa qualquer manual de segurança rodoviária.

A lei moçambicana não é clara quanto à questão dos vidros quebrados em viaturas do Estado. O Código de Estrada não especifica essa infração, mas, por analogia legal, qualquer condição que comprometa a visibilidade ou segurança pode justificar medidas de prevenção, incluindo a retenção do veículo. Afinal, como garantir a segurança de quem conduz ou de quem partilha a estrada quando o condutor enfrenta o vento, a poeira e o risco de objetos projetados sem a mínima proteção?

Em países com legislação mais rigorosa, um camião do Estado sem vidro frontal dificilmente passaria despercebido. Aqui, parece ser apenas mais um símbolo da tolerância institucional e da banalização do risco público.

Mais do que uma questão de estética ou conforto, a ausência de vidros frontais levanta interrogações sérias sobre a segurança rodoviária e o exemplo que as instituições públicas dão. Como exigir que cidadãos cumpram o Código de Estrada quando o próprio Estado o ignora nas suas viaturas?

A pergunta que fica é simples e desconfortável, será mesmo recomendado ou sequer admissível que viaturas do Estado circulem sem vidro frontal nas ruas de Pemba?

Porque se o Estado é quem dá o exemplo, então a mensagem que hoje circula pelas avenidas da cidade é clara, a lei é elástica e o risco tornou-se rotina. (Moz24h)

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