Opiniao

2025 — JUBILEU DA INDEPENDÊNCIA OU DA TROCA DO COLONIALISTA?

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

“Quando se troca de senhor, não se está livre — mas estar consciente de que se tem um senhor, é o primeiro passo para se libertar dele.”

Meio século após o 25 de Junho de 1975, o chão de Moçambique continua a ser palco de uma contradição que roça o absurdo histórico: a liberdade tão proclamada ainda se vê, por muitos, como uma miragem adiada — ou pior, como uma farsa substitutiva que trocou a brutalidade colonial estrangeira por um sistema de opressão doméstica, engalanado com bandeiras e hinos patrióticos.

A independência formal, aquela da proclamação solene, foi sem dúvida uma conquista monumental na História do povo moçambicano. Pôs fim a quase meio milénio de dominação imperial e cravou nos livros escolares a narrativa da libertação, do heroísmo colectivo, do “povo unido armado de consciência revolucionária.” Porém, se o poder político abandonou Lisboa, a mentalidade de sujeição, o monopólio da violência, a pilhagem de recursos e o abuso da força institucionalizada encontraram nova guarida num seleto grupo de herdeiros da vitória militar — a vanguarda transformada em classe dirigente.

Neste ponto, Fanon advertia, com lucidez profética, que “a descolonização, que deveria ser uma criação de homens novos, frequentemente se faz pela simples substituição de uma burguesia estrangeira por uma burguesia nacional, igualmente voraz, mas ainda mais autoritária.” Cabral complementaria, na voz pausada do combatente lúcido: “A luta continua porque a libertação é mais que a retirada do colono; é a reconquista da dignidade na vida concreta.”

Na prática, para a maioria dos moçambicanos que hoje sobrevivem entre promessas incumpridas, corrupção sistemática, conflitos violentos como o de Cabo Delgado e o espectro permanente da pobreza extrema, a independência parece ter significado pouco mais que a alternância do colonialista.

O colonialista branco deu lugar ao colonialista preto ou como se quiser, — negro de pele, mas não raro estrangeiro de espírito, na medida em que alienou a riqueza, o poder e a esperança do mesmo povo que o sustentou com sangue.

Contudo, é precisamente aqui que se ergue o paradoxo fecundo: se nada mais se conquistou, conquistou-se a consciência de que falta conquistar tudo.

A ruptura simbólica com o poder colonial europeu, ainda que incompleta, rasgou o véu da submissão perpétua. Emerge assim o germe mais perigoso para qualquer opressor: o germe da crítica.

O povo que uma vez se insurgiu contra o regime colonial transporta consigo, ainda que dispersa, a centelha de insurreição contra qualquer dominação injusta — seja ela de um administrador português, de um partido-Estado, de um burocrata corrupto ou de um saqueador de recursos sob contrato secreto.

Cinquenta anos depois, a tarefa permanece. A independência, se real, não pode ser celebrada apenas como memória; deve ser continuada como projecto. Tornou-se um processo inacabado que impõe novas perguntas éticas e políticas:

Liberdade para quem?

Governo para quem?

Riqueza para quem?

São perguntas que incomodam o discurso triunfalista, mas que resgatam a única herança verdadeiramente inalienável do 25 de Junho: a capacidade de recusar senhores.

Assim, se é verdade que para muitos moçambicanos a independência foi apenas a troca do colonialista, é igualmente verdade que a consciência disso é, paradoxalmente, a semente de uma libertação futura. Só quem sabe que ainda está acorrentado pode forjar o golpe que há-de quebrar as correntes.

50 anos depois, a maior conquista do povo moçambicano não é apenas o 25 de Junho de 1975: é a esperança — e o dever — de fazer do próximo 25 de Junho um dia, finalmente, de libertação plena.

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