Opiniao

A Indústria das Conversões Tardias e o Circo da Inclusão: O Caso do Dr. Hermenegildo Gamito

Por Tiago J.B. Paqueliua

É sintomático de regimes decadentes o surgimento de profetas arrependidos — ex-guardas do templo do autoritarismo que, ao verem a estrutura tremer, desfilam nas praças públicas oferecendo receitas de moralidade e boas práticas institucionais.

Moçambique, sob o jugo persistente do Partido-Estado FRELIMO, tornou-se celeiro desta fauna cínica de reciclados da elite política.
Um caso ilustrativo e vergonhoso é do Dr. Hermenegildo Gamito.

Gamito, agora apresentado pela imprensa como “ex-presidente do Conselho Constitucional” e opinador preocupado com a partidarização dos órgãos eleitorais, é um exemplo gritante daquilo que se deve rejeitar sem hesitação: a tentativa descarada de se fazer passar por democrata, após décadas ao serviço do totalitarismo.

Durante os anos em que Gamito vestiu, com fidelidade exemplar, o uniforme simbólico da FRELIMO, ocupou cargos de máxima confiança: Presidente do Conselho Constitucional, Dirigente de Empresas Públicas, Advogado, Deputado e Empresário, entre outros. Todos esses postos foram-lhe confiados por mérito exclusivo de sua fidelidade ao regime, espírito hiper-partidário, sem compromisso com o povo.

O silêncio conivente de Gamito durante as maiores atrocidades institucionais — fraudes eleitorais, repressão a opositores, usurpação sistemática da vontade popular — foi eloquente. Quando as vozes corajosas do país denunciaram os crimes da FRELIMO, Gamito estava nos salões refrigerados da elite, a legitimar juridicamente o saque e a repressão.

Jamais ouvimos a voz contra o regime, quando tinha o poder e a tribuna, para fazê-lo com consequências práticas.

Hoje, sem mandato, sem poder real, sem escudo jurídico, vem falar de “inclusão” e “exclusão das minorias”? Não.

Este país não pode mais permitir que os algozes se tornem arautos da moralidade sem prestar contas.

O próprio discurso de Gamito, proferido na entrevista à STV, soa como escárnio à inteligência coletiva: “O Governo tem de ser a expressão da vontade da maioria da população”. Como se fosse novidade.
Como se ele, durante os seus anos de ouro no Conselho Constitucional, não tivesse carimbado com sua assinatura as eleições mais fraudulentas desde 1994. Como se a “expressão da vontade da maioria” não tivesse sido sistematicamente manipulada por ele e seus pares — sempre em benefício do Partido-Estado.

Pior ainda, Gamito levanta hoje a voz contra a corrupção, fazendo cálculos aritméticos sobre enriquecimento ilícito: “Entrei para o Conselho Constitucional e saio de lá com dois prédios na principal avenida”. Pergunta-se: se ele tem conhecimento de tal corrupção, por que nunca a denunciou quando estava em funções?

Por que permitiu que o Conselho Constitucional se tornasse um apêndice da cleptocracia frelimista, e não um órgão de contenção constitucional? A resposta é simples: porque beneficiava diretamente desse arranjo corrupto. A denúncia tardia, agora que o sol já se pôs sobre sua influência, não passa de tentativa patética de reabilitação pessoal.

Gamito, como tantos outros, é apenas um dos rostos da farsa que o Partido-Estado engendrou, para continuar a controlar a narrativa política, mesmo fora do governo direto.

A indústria de ONGs, “associações civis”, “partidos independentes” e “observadores imparciais”, “conselheiros de Estado”, é composta, maioritariamente, por ex-militantes do regime que, uma vez descartados do centro de decisões, passam a circular na sociedade civil, como cordeiros recém-convertidos.
São filhos legítimos do oportunismo e da sobrevivência política.

Este teatro da “inclusão”, portanto, não passa de mais um ato da peça encenada pela FRELIMO. A proposta de “incluir para evitar crises pós-eleitorais”, é apenas uma manobra de contenção da insurreição popular.

Querem conter o descontentamento popular sem perder o monopólio do poder. A inclusão que defendem é a mesma que reservou ao povo a exclusão histórica de seus próprios recursos, direitos e o futuro.

A nova independência pela qual Moçambique clama não deve ser dirigida por reciclados da velha ordem.

Fará bem se Moçambique descartar conselhos de ex-comprometidos com a ditadura partidária, se não permitir que os que cobardemente se calaram diante do massacre das liberdades civis tentem agora falar em nome da moral pública. A sua chance passou. Seu silêncio, cúmplice e conveniente, tornou-se irreversível.

Hermenegildo Gamito não é solução. É símbolo do problema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *