Nos dias que correm, o mundo tem-se esforçado para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e uma das medidas adoptadas pelos líderes mundiais para atingir este objectivo é a redução da emissão de dióxido de carbono (CO2). Para tal, tem-se promovido o uso de “energias amigas do ambiente”, obrigando as nações a transitarem de fontes fósseis de energia para renováveis e alternativas. No entanto, a questão que prevalece é: como é que este processo irá impactar a vida das comunidades rurais em Moçambique?
Neste sentido, o Diário Económico (DE) realizou uma reportagem, na qual constatou que a Transição Energética (TE) poderá impactar profundamente as comunidades vulneráveis caso não haja uma planificação inclusiva do processo, podendo contribuir para a perda de postos de trabalho e desigualdades no acesso a fontes de energia sustentáveis.
Impactos da Transição Energética
O diplomata Benedito Machava, que já participou em conferências climáticas como a Nairobi Summer School on Climate Justice, o Climate Action Forum no Azerbaijão, a United Nations Conference of Youth on Climate Change ou a Conferência das Partes 2024 (COP29), defende uma Transição Energética justa, sob pena de se criarem desigualdades e de se alterar drasticamente o modus vivendi das comunidades.
“Essas conferências destacaram como a Transição Energética é uma questão central no combate às mudanças climáticas, mas também evidenciaram os desafios de implementá-la de forma justa”, explicou a fonte, sublinhando: “Para as comunidades vulneráveis, especialmente nas zonas rurais do País, a TE pode trazer desafios significativos. Muitos ainda dependem de fontes tradicionais, como a lenha, para cozinhar e iluminar as suas casas. Se a TE não for planeada de forma inclusiva e contextualizada pode agravar desigualdades, dificultar o acesso a tecnologias modernas e comprometer modos de vida tradicionais.”

O diplomata, que nasceu numa zona rural onde a agricultura é a base de subsistência e testemunhou directamente como as mudanças climáticas impactam negativamente a produção agrícola, acrescentou: “Por um lado, para quem trabalha no sector de combustíveis fósseis, como o carvão e o gás natural, os desafios incluem a perda de empregos e de oportunidades económicas. Moçambique, sendo um novo produtor de gás, tem potencial para aproveitar esse recurso, que é relativamente mais limpo. No entanto, uma Transição Energética apressada e descontextualizada pode prejudicar tanto os trabalhadores quanto a economia do País.”
Benedito Machava defende, por isso, que a TE em Moçambique deve ser gradual, equilibrada e justa. “É crucial considerar a realidade do País e garantir que o processo beneficie tanto a industrialização quanto a protecção das comunidades produtoras de energia. Mais do que transitar de uma fonte para outra, é preciso promover uma transição que respeite as especificidades locais e assegure que ninguém seja deixado para trás”, vincou.
Para melhor compreender os impactos das políticas de Transição Energética nas comunidades vulneráveis, o economista Clésio Foia descreve a vulnerabilidade da população moçambicana no acesso aos recursos energéticos.
Para as comunidades vulneráveis, especialmente nas zonas rurais do País, a TE pode trazer desafios significativos. Muitos ainda dependem de fontes tradicionais, como a lenha, para cozinhar e iluminar as suas casas. Se a TE não for planeada de forma inclusiva e contextualizada pode agravar desigualdades, dificultar o acesso a tecnologias modernas e comprometer modos de vida tradicionais
“No País, 66,2% da população vive em zonas rurais e enfrenta desafios significativos de acesso a serviços básicos, como electricidade, água potável e saneamento adequado. Aliás, no que diz respeito ao acesso à rede eléctrica, apenas 40% da população tem acesso, sendo que as zonas rurais apresentam uma taxa de electrificação ainda menor. A pobreza afecta desproporcionalmente as áreas rurais ou vulneráveis, onde 50,1% da população vive abaixo da linha de pobreza, em comparação com 37,4% nas áreas urbanas”, descreve o economista.
Que metas tem o Governo no âmbito da Transição Energética para as famílias?
Segundo a Estratégia de Transição Energética (ETE), pretende-se que até 2030, entre 15% e 25% dos agregados familiares tenham acesso a energia através de mini-redes; entre 10% e 15% tenham acesso a energia por meio de sistemas solares domésticos; e que haja a massificação da utilização de biomassa, a promoção de uma maior alocação da produção de gás natural para necessidades nacionais e o incentivo ao uso de fogões eléctricos.
Iniciativas juvenis disruptivas no âmbito da Transição Energética
Uma equipa de estudantes da Universidade Eduardo Mondlane desenvolveu um sistema de produção de biogás a partir de fezes de aves, enquanto forma de eliminar o défice energético e reduzir os custos de produção avícola no País.

A equipa, liderada por Vasco Cossa, empreendedor e professor de Física numa escola comunitária, foi distinguida, em Outubro de 2023, numa competição internacional de startups designada por 928 Challenge, realizada em Macau.
“A experiência com o projecto tem sido transformadora, tanto a nível ambiental como social. O biogás poderá substituir combustíveis como a lenha e o carvão, reduzindo a desflorestação e a poluição do ar”, explica Vasco Cossa.
No entanto, desafios como os custos iniciais elevados e a necessidade de capacitação técnica continuam a limitar a expansão do projecto, o que pressupõe uma intervenção do Governo e dos parceiros de cooperação. (DE)