Por : Pe. Fonseca Kwiriwi, CP,Servo inútil
O momento em que Moçambique enfrenta exige coragem de todos os atores sociais e políticos para se alcançar uma genuína e profunda reconciliação e boa convivência.
A coragem que se refere para que o processo chegue a uma meta começa pelo entendimento de que houve uma ação que machucou milhões de moçambicanos.
A coragem que se refere é vestir a camisa da ética e moral para chegar à ciência, qual é o verdadeiro mal que está sendo encoberto.
A coragem que se refere é enfrentar o problema não para colocá-lo debaixo do tapete, porém para se resolver a raiz do mal.
Vejamos a seguir o processo mistagógico que sugerimos para sanar o mal que vivenciamos em Moçambique.
*1. Identificando a ação*
Dentre várias ações que levam à culpa, a nossa sociedade moçambicana é a *adoção da democracia* que per si implica a representativa do povo na governação. É a construção de um Estado de direito permitindo que o povo obtenha seu bem-estar. É o funcionamento transparente e eficiente dos serviços do Estado, favorecendo o desenvolvimento integral do povo.
No entanto, no contexto de Moçambique, a democracia trilhou veredas contrárias às que uma autêntica democracia deve, conforme descrevemos acima.
Por isso, sem nenhum equívoco, como muitos analistas comentaram, como o próprio povo vem clamando, a ação principal é *a injustiça eleitoral.*
O processo eleitoral não decorreu como deveria ser culminando com o que a oposição e o povo denunciam que houve mega fraude eleitoral.
A pergunta que deve ser feita é: há provas de que houve fraude eleitoral?
Sem medo, podemos dizer que sim houve porque, primeiro, a CNE apresentou resultados viciados e deixou nas mãos do CC toda responsabilidade para gerir o problema.
A CC, por sua vez, fez tanta ginástica de muitos dias para anunciar o “tal resultado final” que acabou perdendo a credibilidade.
Por que os dois órgãos envolvidos no processo eleitoral não optaram pela verdade?
É simples responder porque a constituição desses órgãos favorecerá ao regime se não houver despartidarização. Isto é, enquanto não se formar quer a CNE quer o CC por homens e mulheres com o objetivo de defender os interesses do povo, qualquer regime que estiver no poder será acusado de fraude eleitoral. Portanto, sugerimos a revisão do pacote eleitoral e acima de tudo a despartidarização do Estado.
Então, se já identificamos que a ação é a injustiça eleitoral que atropelou a democracia, vamos ao passo seguinte.
*2. Assumir a culpa e o arrependimento*
Cometer um erro é um *ato desumano* porque todo ser humano deve fazer o bem e evitar o mal.
Se alguém insiste em dizer que o erro é humano, quer dizer que essa pessoa não tem nenhuma intenção de assumir a culpa e chegar ao arrependimento.
Contudo, se uma pessoa comete um erro e assume a culpa e se arrepende, a pessoa não só mostra ser uma pessoa madura, mas também é responsável e honesta. Essa pessoa está apta para conviver com os outros na sociedade.
Portanto, todos os envolvidos na chamada mega fraude eleitoral, devem, sem hipocrisia, assumir publicamente ou não a culpa e mostrar um arrependimento. Aqui não se refere somente aos órgãos eleitorais, mas todos os que se beneficiaram desse mal.
*3. Pedido de perdão e o ato de perdoar*
Após a tomada de posse do presidente, apesar das manifestações contra as eleições, um grupo religioso do país sugeriu que houvesse um culto que no fundo a intenção é boa. Mas não se obriga alguém ou um grupo a se perdoar e reconciliar sem antes ter havido um processo interno, pessoal e profundo.
O país deve continuar a rezar, mas ainda é cedo para se pensar que os adversários irão se perdoar facilmente se antes não houver um diálogo e um entendimento.
Estamos acostumados a um tipo de diálogo que só um grupo vai vencer e o outro é obrigado a aceitar a derrota. Isso não deve ser entendido como diálogo, pois o diálogo pressupõe uma escuta, vontade de abrir mão e aceitar o que vier a acontecer como consequência da conversa bilateral.
Quem cometeu um erro, aproxima-se do lesado para apresentar seu pedido de perdão. Deve esperar por algum tempo para se ruminar e do fundo do coração surgir a vontade e a força do perdão.
Quer a pessoa que pede perdão quer a pessoa que deve perdoar, as duas partes devem ter os seguintes dons: humildade, simplicidade, o sentido do bem comum, altruísmo e pertença.
Perdoar é um ato nobre de oferecer a sua própria vida e dignidade humana.
Perdoar é mergulhar na miséria do outro para oferecer-lhe misericórdia e compaixão.
*4. Reconciliação*
A sociedade moçambicana encontra-se machucada, não somente por causa da injustiça eleitoral, mas por causa da desigualdade social, exclusão social, desemprego, miséria e como insiste Severino Ngoenha, por causa do sucateamento do Estado. O Estado perdeu a autoridade e legitimidade.
Tomando como exemplo as manifestações pós-eleitorais, acompanhamos em muitos cantos do país, confrontos desiguais entre as Forças de Defesa e as populações. Enquanto a chamada UIR usava armas, a população, na maioria a juventude, usava pedras e queima de pneus.
Para que haja reconciliação, o Estado deve ganhar confiança. Deve trabalhar profundamente para mostrar que está ao serviço do povo e não trabalha pelos interesses de um regime ou pequeno grupo.
Acompanhamos, igualmente, diferentes tipos de destruições de bens do Estado e pessoas privadas que revelam que o povo já perdeu paciência e quer mudanças.
Todavia não se pode fazer justiça pelas próprias mãos. Esse ditado não funciona em uma sociedade que a Justiça que deveria trabalhar para o povo defende os interesses minoritários. Por isso, deve haver a recuperação da Justiça para que seja, de fato, órgão de justiça que pode agir imparcialmente: punir os culpados e não perseguir os inocentes.
A reconciliação terá lugar quando todos os moçambicanos em defesa do bem comum se unirem e chegarem à conclusão de que estavam errados e poderão superar os erros.
A reconciliação consiste em olhar o passado marcado por erros, mas com expectativa de que dias melhores virão.
Reconciliação implica olhar no outro profundamente para que nenhum mal prevaleça.
A construção de um Estado de direito é um processo longo e gradual que exige coragem, justiça, honestidade, responsabilidade e verdade.
A construção de um país que muitos gostariam de alcançar (de justiça e paz, inclusivo, fraterno, harmonioso, próspero etc) depende da vontade política e social de todos os moçambicanos.
A culpa é de todos os moçambicanos que permitiram que o país chegasse ao nível em que se encontra, agora. Mas se já identificamos todos os males, então, a decisão é de todos para transformar os problemas em desafios, os erros em escolas da verdade, as brigas em forças de trabalho para a reconstrução de Moçambique.
Que toda ação nociva seja eliminada para dar lugar ao BEM.
Que a culpa assumida e o arrependimento verdadeiro levem à LIBERDADE.
Que o perdão autêntico e genuíno conduza a PAZ INTERIOR.
Que a reconciliação profunda transforme Moçambique num país de luta para o bem-estar de todos.