Por Josué Bila
Circula um vídeo moçambicano, no qual um músico local-provinciano exterioriza vultos político-blasfematórios, atinentes às nossas insuficiências republicanas, em decorrência da generalizada e frequente falta de vergonha em se expor ao ridículo, onde, em plena campanha eleitoral, o bobo da corte canta que “para termos hospital é graças à FRELIMO. Para termos estrada é graças à FRELIMO.”
Aquele músico local é a representação de uma campanha eleitoral que se manifesta como um cemitério das ideias democráticas e uma lixeira dos princípios republicanos. Não será, ao que tudo indica, nesta geração em que as campanhas eleitorais moçambicanas serão um palco fecundo de demonstração de vias políticas e de exposição dos bojos ideológicas alternativos de vários partidos e debatedores de estirpes divergentes e diferentes.
Esse cemitério político-ideológico no qual encontramo-nos é a consequência “natural” dos processos sócio-políticos variados ao longo da história. Esses processos impõem dificuldades na nomeação ou na escolha dos sofisticados homens e mulheres, cujos refinamentos político-diplomáticos e conhecimentos para a materialização de políticas públicas seriam ou são seu dever consciente por e para cumprir.
Tanto esse bobo da corte que canta quanto os beneficiários (que sempre ganham as eleições) fazem parte de uma história política, cujas dificuldades de tornar a política como um espaço público de glamour proporciona a institucionalização dos ridículos no governo, no Estado, na FRELIMO, no legislativo e em vários sectores governamentais e não-governamentais. Quando toco as organizações não-governamentais estou a sugerir que as ritualizações das blasfêmias à nossa possível República não são apenas espargidas pelo partido no Poder e os seus bestalhões, mas também por outros segmentos cujas gritos alegadamente são feitos em nome da República, do Estado de Direito e da democracia liberal.
Em tudo exposto, desejo lembrar-vos também uma instituição há muitíssimo deformada, a partir da qual a socialização primária se impõe: a família. Um dos elementos pelos quais as famílias se impõem e principalmente os governos das mesmas se impõem são os pais. Desta maneira, a responsabilidade, a responsabilização e a transparência dos pais são um dos condimentos de que as crianças, as quais aprendem também e significativamente por meio da imitação e do exemplo, dispõem são escassos. Não pontuo que os problemas do nosso País são primariamente da família, mas não podemos deixar de tomar essa variável, para questionar a qualidade das famílias e dos governos das famílias (os pais). Mesmo não tendo estatísticas, o número talvez excessivo de pais que abandonam os filhos, consequentemente sem assistência social e o facto de que muitos não são transparentes na concepção e implementação de uma “política pública familiar” pode também ser uma variável social, a qual aponta problemas estruturais que transcendem os limites do nosso Estado.
As campanhas eleitorais não são apenas espaços em que um provinciano, de viola na mão, canta uma letra blasfematório-eleitoralista, mas espaços em que os cidadãos igualmente não partidarizados, porém republicanos, poderiam ou deveriam ser convidados para espevitarem algumas variáveis estruturais subjacentes, a partir das quais a sociedade se apresenta com uma cara de Segunda-feira sem movimento. É uma forma de propor que talvez os nossos problemas primários não sejam a falta de unidades sanitárias e escolares, estradas e pontes, emprego e habitação, água e luz ou mesmo recursos naturais, mas a formação e socialização do Homem. No geral, o Homem moçambicano, dadas às truculentas circunstâncias nas quais é socializado, é grosseiro e rafeiro, à semelhança das elites que usam e abusam de muitos bobos da corte, como o provinciano que lança a pérola segundo o qual os bens públicos de que Moçambique ostenta são graças à FRELIMO.
Seja como for, usemos o momento eleitoral, para lembrarmos que todas essas blasfêmias político-eleitoralistas são a cara de cada um de nós, salvo raras e honrosas excepções. (Moz24h)