Análise Crítica das Implicações Económicas e Sociais da Exploração de Gás Natural em Moçambique
Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
Este artigo investiga as potenciais repercussões da operação plena do megaprojeto de gás natural de Afungi sobre os preços do mercado de energia em Moçambique. Considerando duas hipóteses centrais — exportação total da produção versus abastecimento parcial ao mercado nacional —, avalia-se quem se beneficiará, os riscos de exclusão da população e o papel do Estado na regulação e fiscalização do setor.
Palavras-chave
Afungi, Gás Natural, Moçambique, Mercado de Energia, Política Energética, Benefícios Sociais, Exportação.
Introdução
O complexo de Afungi, situado em Cabo Delgado, representa um investimento multimilionário em gás natural, conduzido por consórcios internacionais. A questão central é se a população moçambicana terá acesso direto aos benefícios desta riqueza.
O debate centra-se no acesso ao mercado interno e no impacto nos preços de energia, especialmente para a indústria, comércio e consumidores domésticos. A análise examina duas hipóteses contrastantes: o cenário de exportação total da produção versus a política de abastecimento nacional parcial e transparente.
Hipótese I – Exportação Total: Exclusão do Mercado Nacional
Se as atuais condições contratuais forem mantidas, com 100% da produção de Afungi destinada à exportação, os impactos diretos sobre o mercado interno serão limitados. A oferta nacional de gás não será ampliada, mantendo os preços de eletricidade e combustíveis fósseis elevados. A indústria local continuará a enfrentar custos altos, limitando competitividade e expansão económica.
Para a população, os benefícios diretos serão inexistentes. Sem acesso ao gás produzido localmente, não haverá redução nos preços domésticos de energia, e o impacto social se limitará a empregos indiretos e royalties modestos do Estado. Este cenário evidencia um “apartheid económico”: a riqueza é gerada em território nacional, mas é capturada quase exclusivamente por investidores estrangeiros e consórcios internacionais, reproduzindo padrões históricos de desigualdade na exploração de recursos naturais em África.
Hipótese II – Abastecimento Nacional Parcial e Inclusivo
Uma política mais equitativa consistiria em legislar que 51 a 60% da produção de Afungi abasteça o mercado nacional. Neste cenário, a transparência nos contratos e a fiscalização ambiental rigorosa seriam fundamentais, permitindo que a população e organizações civis monitorassem todos os acordos e garantindo que o projeto não prejudique ecossistemas ou comunidades locais.
Além disso, a inclusão da população e a diversificação económica se tornariam centrais. A população teria acesso a preços domésticos de gás mais baixos, a rede elétrica se expandiria e a indústria nacional poderia obter gás a preços competitivos, estimulando a inovação tecnológica. A economia se diversificaria, reduzindo a dependência exclusiva da exportação de gás. Este cenário promove benefícios económicos diretos e fortalece a coesão social, transformando o gás natural em motor de crescimento inclusivo.
Impacto no Mercado e Descrição Comparativa de Preços
A análise dos preços do gás natural entre 2025 e 2035 pode ser narrativamente representada como duas linhas temporais distintas, ilustrando os impactos concretos sobre a população e a indústria:
1. Linha do Cenário de Exportação Total
2025: 11 USD/MMBtu – início da operação plena; preços altos, população e indústria excluídas do acesso direto.
2026–2029: 11–12 USD/MMBtu – flutuação mínima; exclusão económica mantida.
2030–2035: 10–12 USD/MMBtu – preços continuam altos, beneficiando quase exclusivamente investidores estrangeiros.
Esta linha plana simboliza persistência de desigualdade, mantendo o “apartheid económico”: riqueza gerada em solo nacional não se traduz em desenvolvimento para a população, e a indústria local permanece limitada.
2. Linha do Cenário de Abastecimento Interno Parcial (51–60%)
2025: 10 USD/MMBtu – início da operação, preços ainda altos; ajustes contratuais começam a surtir efeito.
2026–2028: 9–8 USD/MMBtu – queda gradual de preços à medida que parte da produção abastece o mercado interno; consumidores e indústria começam a beneficiar.
2029–2030: 7 USD/MMBtu – redução significativa nos custos de eletricidade e combustíveis; aumento do poder de compra e estímulo à produção industrial.
2031–2035: 6–7 USD/MMBtu – estabilização em níveis mais baixos; mercado interno consolidado, população e indústria beneficiam de forma contínua, promovendo inclusão social e crescimento económico sustentável.
Narrativamente, a comparação evidencia dois caminhos:
Linha Alta e Estável (Exportação Total): exclusão e concentração de riqueza.
Linha Descendente (Abastecimento Interno Parcial): inclusão, redução de preços, desenvolvimento industrial e social.
Esta representação permite compreender que decisões políticas têm repercussões concretas e duradouras na vida da população e na competitividade económica do país.
Beneficiários e Implicações Socioeconómicas
No cenário de exportação total, os principais beneficiários seriam investidores internacionais e consórcios privados, com ganhos limitados para o Estado através de royalties. A população local permaneceria praticamente excluída dos lucros.
Em contraste, com abastecimento interno parcial, os beneficiários diretos incluiriam a população moçambicana, a indústria nacional, pequenas e médias empresas e o Estado, que receberia maior arrecadação fiscal de forma sustentável. A inclusão da população fortalece a coesão social, aumenta a estabilidade regional e promove desenvolvimento económico sustentável.
Experiências internacionais reforçam esta análise: países como Nigéria e Argélia, que priorizaram a exportação total, enfrentaram preços domésticos elevados e exclusão das comunidades locais, enquanto na Noruega e no Qatar, políticas de abastecimento interno parcial resultaram em redução significativa dos preços internos e maior inclusão social e industrial.
Conclusão
O impacto da operação plena de Afungi nos preços do mercado depende crucialmente das decisões políticas e contratuais do Estado. Sem intervenção governamental e mecanismos de transparência, a produção de gás beneficiará quase exclusivamente investidores estrangeiros, mantendo a população marginalizada.
Políticas inclusivas de abastecimento interno parcial poderiam transformar Afungi em um instrumento de desenvolvimento nacional, reduzindo preços de energia, promovendo industrialização e gerando benefícios diretos à população.
O verdadeiro desafio não é apenas técnico ou económico, mas político: quem deve usufruir da riqueza natural produzida em solo nacional e de que forma?
Glossário
Afungi: Localidade em Cabo Delgado, Moçambique, onde está instalado o complexo de gás natural.
USD/MMBtu: Dólares por milhão de unidades térmicas britânicas, medida usada para precificar gás natural.
Apartheid Económico: Exclusão sistemática de populações locais de benefícios económicos gerados em seu território.
Royalty: Pagamento feito ao Estado ou proprietário de recursos pela exploração de recursos naturais.
Mercado Interno: Segmento de consumo de energia dentro do próprio país, distinto do mercado de exportação.
Epílogo
A discussão sobre Afungi transcende cálculos económicos e projeções de preços. Ela revela as escolhas políticas de Moçambique e a forma como o país decide partilhar sua riqueza natural. Entre manter o status quo de exportação total, garantindo lucros para investidores externos, ou implementar políticas de abastecimento interno inclusivo, reside a decisão sobre justiça social, equidade económica e soberania energética. A operação plena de Afungi será um teste à capacidade do Estado moçambicano de reconciliar crescimento económico e inclusão social, transformando um recurso natural em motor real de desenvolvimento nacional.
Referências
1. Ministério dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique. (2024). Relatório sobre produção de gás natural em Afungi.
2. Moz24h. (2025). Notícias sobre exploração de gás e impacto social em Cabo Delgado.
3. TotalEnergies. (2023). Afungi LNG Project Overview.
4. Banco Mundial. (2022). Energy Market Analysis in Mozambique.
5. Instituto Nacional de Estatística de Moçambique. (2024). Indicadores de Energia e Desenvolvimento.
6. International Energy Agency. (2023). Global Gas Market Review.
7. United Nations Development Programme. (2022). Resource Governance and Social Inclusion.