Por Gabriel dos Anjos
Luanda-O Presidente da República de Angola, João Lourenço, recebeu, em audiência, o líder da ala da Igreja do Reino de Deus (IURD) em Angola, Alberto Segunda, após terem sido tornado público, no mesmo dia, que o líder da ala angolana da referida igreja, bispo Valente Bizerra Luís, recusou a exigência do Governo de que a igreja devia ceder 30 % de todo dinheiro desta congelado em diversos bancos, em troca do reconhecimento da sua gestão.
“Exigiram 30 por cento de todo dinheiro que estava, no banco, para que se agilizasse [o processo] a favor dessa comissão da igreja universal”, revelou, nesta Quarta-feira, 4, em conferência de imprensa, o advogado David Mendes, que integra a equipa de causídicos que defende a causa da ala reformista da IURD, também designada por Ala Angolana.
O advogado acusou os titulares dos ministérios do Interior, Eugénio Laborinho, da Cultura, Filipe Zau, e da Justiça e Direitos Humanos, Marcy Cláudio Lopes, de estarem a obstruir a restituição dos direitos e bens dos crentes desta comissão reformadora.
Para sustentar a sua acusação, o advogado contou que no dia 31 de Agosto de 2023, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Lopes, convocou o bispo Valente, no seu gabinete, às 20 horas, para o obrigar a assinar um acordo, alegando estar a cumprir uma orientação do Presidente da República de Angola, João Lourenço.
“E se ele não assinasse aquele acordo, faria sair um comunicado na televisão e na rádio, dando conta da extinção da IURD”, divulgou o advogado, tendo acrescentado que o líder religioso cedeu por ser uma ordem Titular do Poder Executivo angolano, mas posteriormente acabou recuando.
Segundo David Mendes, nessa altura, o mais agravante era que o ministro da Justiça, Marcy Cláudio Lopes, já tinha, no seu gabinete, algum pessoal do cartório, para reconhecer a assinatura, o que, no seu entender, representa uma autêntica coação. Pois, alegou, um documento assinado sob essa condição não tem nenhum valor jurídico.
O causídico assegura que com base nesse documento se arquitectou uma série de manobras para influenciar o bispo Valente Bizerra Luís. Entre as quais, a sua notificação a comparecer à 4ª Secção dos Crimes, por uma funcionária do tribunal, que, hoje, anda com os brasileiros para expropriar os bens da igreja.
David Mendes denunciou que, por outro lado, o seu constituinte terá sido aliciado para larga-lo, como advogado, e dar-lhe 30 por cento do dinheiro da igreja que estava no banco, de modo a ver tudo a favor da ala reformadora.
“Exigiram 30 por cento de todo dinheiro que estava, no banco, para que se agilizasse a favor dessa comissão da igreja universal”, realçou o defensor.
Outra denúncia pública que mereceu destaque de David Mendes foi a que a envolve o ministro da Cultura, Filipe Zau, a quem acusa de ter chamado o bispo Valente para um restaurante, onde lhe propôs, igualmente, renunciar o advogado e fazer uma declaração pública contra o jurista, pelo que o prelado também se recusou a fazê-lo.
David Mendes desafiou os acusados a desmentirem tais acusações, tendo garantido que ele e a sua equipa de advogados têm como provar todas as denúncias que se proferiram, na ocasião da conferência de imprensa sobre verdades e esclarecimentos.
Bispo Valente confirma chamadas
O bispo Valente Bizerra Luís, por seu turno, confirmou aos jornalistas ter sido chamadas pelos governantes ministros referenciados nas denúncias do advogado David Mendes, salientando que o mais marcante foi ter sido obrigado a assinar um documento contra a sua e a vontade da igreja.
O líder da comissão reformista garantiu que ele e os seus irmãos da IURD estão firmes para continuar a exigir os seus direitos e bens, de modo a proporcionar um ambiente de paz e amor durante as actividades da igreja.
Chefe de Estado “abençoa” Alberto Segunda
Horas depois de ter sido feita estas denúncias, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, recebeu, em audiência colectiva, líderes de diversas congregações religiosas, entre os quais, o líder da ala brasileira da Igreja do Reino de Deus em Angola.
Além do bispo Alberto Segunda, participaram no encontro, responsáveis da Aliança Evangélica de Angola, Alexandre Saul, do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola, Vladimir Agostinho, e da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, Afonso Nunes.
Igualmente estiveram presentes na audiência, o líder da Igreja de Comunhão Cristã de Angola, Antunes Huambo, da Igreja Kimbanguista em Angola, Kiangane Paul, da Igreja Eterna Santificada Unida de Angola, Victor Segunda, e da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Teixeira Vinte.
Segundo o bispo Antunes Huambo, que serviu de porta-voz do encontro, durante a audiência de cerca de duas horas, também foram discutidos assuntos ligados à juventude, atribuição de terrenos para a construção de diferentes infra-estruturais de carácter social.
Antunes Huambo afirmou que os religiosos aproveitaram a ocasião para manifestar o sentimento de gratidão, pelo facto de o Executivo angolano reconhecer de forma oficial algumas igrejas no país, que antes exerciam actividades religiosas de forma ilegal, em desrespeito às Leis vigentes no país.
Histórico dos “abalos da harmonia” na Universal
Para ressaltar a gravidade do assunto, David Mendes recordou as razões que despoletaram o conflito. Isto é, em 2019, quando um grupo de pastores, com coragem, apresentou queixas ao Serviço de Investigação Criminal (SIC) contra determinados dirigentes da igreja IURD-Angola, que alegadamente estavam a usar mal o dinheiro.
Os queixosos diziam que se estava a fazer o dinheiro sair, com alguma frequência, de Angola, e de forma irregular, como se de autênticos excursionistas se tratassem. Algumas vezes, o dinheiro ter sido colocado em cisternas ou em pneus de camiões com destino à Namíbia.
“Nesse período a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu apreender bens da IURD, entre os quais, templos, sob um processo-crime. Mas, no decorrer do processo, a PGR devolveu à comissão de reforma, cinco templos, em Luanda e outros nas províncias da Huíla, Lunda Norte, de Malanje, Cabinda, do Kuando Kubango, Bié, Kuanza Sul, Namibe e do Uíje”, detalhou David Mendes.
Afirmou que, sendo assim, esses bens não foram arrolados nos autos, porque não faziam parte dos apreendidos.
O prelector informou que, tendo em conta a gravidade dos crimes que foram cometidos pela direcção da IURD-Angola, o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, foi à Assembleia Nacional denunciar a existência desses crimes e garantiu que o Estado Angolano tomaria medidas para que repusesse a legalidade, sendo que, em consequência disso, aconteceu que muitos pastores brasileiros foram expulsos de Angola.
No dia 13 de Fevereiro de 2021, realizou-se uma assembleia geral que extinguiu a comissão de reforma e elegeu uma nova direcção, com o agravante de tais decisões terem sido publicadas em Diário da República, III Série, Número 41 de 10 de Março e consta da acta o bispo Valente Bizerra Luís como tendo sido eleito presbítero geral da IURD.
No dia 4 de Junho de 2021, um bispo de nacionalidade brasileira, e Ivone Bernardete de Fina NDombele Teixeira, da mesma ala, dirigiram, igualmente, uma assembleia-geral e fizeram publicar, em Diário da República, III Série, de 7 de Outubro de 2021, uma acta que declaravam como eleito o bispo Segunda.
“Por terem falsificado documento e uso de falsa qualidade, por via oficiosa, o cartório notarial deu por conta de que foi enganado. E, para corrigir este erro, fizeram publicar, em Diário da República, III Série, Número 38, de 16 de Dezembro, a anulação da referida assembleia-geral que elegeu o bispo Segunda como presbitério geral”, referiu.
No entender do advogado da IURD, isso queria dizer, claramente, que a assembleia em causa não reunia nenhum valor jurídico, no Ordenamento Jurídico Angolano.
“Nos dias 25 e 26 de Maio de 2023, a IURD-Angola volta a fazer uma assembleia-geral, onde decide alterar os estatutos e eleger os novos corpos gerentes. Até Fevereiro de 2024, o Instituto Nacional de Assuntos Religiosos (INAR) tinha como registo da liderança da igreja universal o bispo Valente Bizerra Luís”, recordou David Mendes, segundo o qual, tendo a certidão transitado em julgado, e nos termos do artigo 234 do Código do Processo Penal, o seu escritório recorreu para que os bens apreendidos, nos autos, fossem devolvidos à direcção legítima
Para a sua insatisfação, aconteceu que o juiz da causa fez ´olhos de mercadores´, conforme fez questão de considerar, e não lhes respondeu. O advogado considera isso como uma manobra dilatória para entregar esses bens à ala brasileira.
Esta corrente da IURD recorreu ao Tribunal Supremo, sob o processo número 152/2021, da III Secção, para se opor à decisão do INAR de entregar os imóveis à Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Bizerra.
Em suma, o Tribunal Supremo não deu provimento da ala brasileira. Quer dizer que esta instituição não aceitou o pedido dessa corrente e isso consta de documentos.
Inconformada com a decisão do juiz, a defesa da comissão reformista recorreu ao Conselho Superior da Magistratura do Tribunal Supremo para exigir que o juiz obedecesse a lei, fazendo a entrega do património, nos termos do artigo 234 do Código do Processo Penal.
“Até hoje, este órgão não respondeu e, segundo a experiência que temos na advocacia, a resposta não deve demorar um mês. Mas já está a levar ano e meio”, desabafou.