Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo:
No contexto das celebrações dos 50 anos da independência de Moçambique e dos 63 anos da FRELIMO, o ex-Presidente Joaquim Chissano teceu um discurso marcado por uma retórica de progresso e estabilidade, omitindo, contudo, a realidade vivida pela maioria dos moçambicanos.
Este artigo propõe uma leitura crítico-reflexiva, com base na análise antropossociológica, filosófica, ética e teológica, confrontando a narrativa oficial com os dados empíricos e as percepções populares, à luz de uma hermenêutica moral e política da verdade.
1. Introdução: A retórica como instrumento de negação
Chissano descreve um país em progresso, destacando supostos ganhos na educação, saúde, cultura e cidadania. No entanto, esta visão contrasta fortemente com a vivência concreta das populações: o sistema educativo está corrompido, a saúde pública desprovida de recursos, e a liberdade de expressão severamente condicionada. O discurso revela uma desconexão preocupante entre o topo da pirâmide política e a base social.
2. Educação e saúde: Da falência estrutural à degradação ética
A educação moçambicana sofre de
politização do currículo, corrupção nas admissões e progressões, violência nas escolas,
a degradação das condições laborais dos docentes.
O sector da saúde, por sua vez, é caracterizado por ausência de medicamentos e materiais básicos, a
corrupção desenfreada nas admissões e serviços, a precariedade estrutural e greves silenciosas.
3. A juventude instrumentalizada
Chissano invoca a juventude como motor da independência económica, ignorando que apenas uma minoria associada à OJM tem acesso às oportunidades políticas e económicas. A juventude rural, urbana marginalizada e a dissidente política permanece excluída dos processos decisórios.
Cria-se assim uma cidadania diferenciada e utilitarista, que contradiz os princípios republicanos.
4. A paz retórica e a insegurança real
O discurso sobre a “paz conquistada” oculta os motivos dos ex guerreiros da RENAMO, os raptos e sequestros na ordem do dia em todo o país, a insegurança urbana crescente e a criminalização da dissidência.
A paz, na acepção de shalom, implica justiça e bem-estar colectivo. O que temos, contudo, é uma paz formal com práticas políticas violentas e excludentes.
5. Considerações ético-teológicas
A invocação da ética e da paz, sem correspondência na prática política, configura uma instrumentalização de valores morais e teológicos.
O discurso chissanista desvaloriza o sofrimento real da população, e ignora a dimensão profética da verdade como denúncia, e chamada à conversão (cf. Isaías 5:20; Amós 5:7-24).
6. Conclusão
A construção de um futuro justo e livre passa pela superação da mentira política, pela responsabilização moral dos líderes históricos e pela refundação das instituições num novo pacto de cidadania participativa.
Celebrar o cinquentenário com base em discursos inverídicos não é apenas erro de julgamento — é ofensa à dignidade nacional.
