Por Tiago J.B. Paqueliua
Num país onde, lamentavelmente, já se tornou endémico o hábito de se vender gato por lebre, em quase todas as esquinas — estatais, privadas, políticas ou mesmo religiosas — é de enaltecer com raro entusiasmo, o gesto da Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE), ao avançar com processos administrativos, contra prevaricadores do sector do entretenimento que, num acto reiterado de malcriadez e desrespeito público, continuam a assediar a sociedade com práticas abusivas, sob o impávido e cúmplice olhar de quem, por dever de ofício e decência, devia zelar pelo bem comum.
Em boa verdade, quando uma entidade pública, frequentemente alvo de suspeitas de inércia ou partidarismo institucional, resolve contrariar o status quo e agir com firmeza — mesmo que tardiamente —, só nos resta tirar o chapéu. Porque sim, é raro. E por isso mesmo, é digno de registo. Urge, pois, cultivar e institucionalizar a cultura da meritocracia — aquela que premeia quem faz, e não quem apenas posa ou paga.
Estamos exaustos.
Exaustos de calotes, de serviços indecorosos, de produtos miseráveis cuja única semelhança com o padrão humano é o facto de serem comercializados por outros humanos. E ainda assim, alguns deles demonstram uma conduta inferior ao mínimo ético exigível. Vender lixo sonoro a crianças em plena celebração do seu dia é um escárnio colectivo.
Promover eventos clandestinos, sem aviso prévio, sem estrutura, com álcool, sem artistas anunciados, sem respeito pelos horários ou pelos destinatários, é cuspir na dignidade da cidadania.
A actuação da INAE, ao notificar e preparar-se para multar 20 promotores de um total de 52 eventos fiscalizados, demonstra, pelo menos em teoria, que o Estado pode — quando quer — resgatar a autoridade e o zelo pelo interesse público.
Não se trata de repressão gratuita, mas de um exercício de responsabilidade regulatória que devia ser a regra e não a exceção.
O nosso maior receio, todavia, é que parte desses processos acabem por ser, como tantas vezes no passado, abafados por “ordens superiores” — essa praga silenciosa que se sobrepõe à justiça e permite que os intocáveis da casta política e económica escapem ao escrutínio e à consequência.
Que não seja este mais um exercício de fogo-fátuo, apagado pelo calor do suborno ou pelo frio da conveniência partidária.
Oxalá esta medida não hiberne nos escaninhos burocráticos, como é apanágio. E que a coragem demonstrada pela Procuradoria-Geral da República, ao exigir limites claros e a salvaguarda dos direitos das crianças, seja acompanhada por acções firmes, coerentes e transparentes de todas as entidades responsáveis.
Porque um país que tolera a impunidade educa os seus filhos para o cinismo. E um Estado que protege prevaricadores mata a esperança. Já basta de simulacros. É tempo de fazer cumprir a lei — mesmo quando dói, mesmo quando atinge “os nossos”.
Honremos a cidadania.
Aplaudamos quem cumpre.
Castiguemos quem abusa.
Devia ser assim, e tem que ser assim.
