Por José Mwenewicha
A leitura deste artigo que o denomino de pensamento solto, terá a sua utilidade maximizada, ao se tomar em conta que é no contexto da preposição aqui discutida e também nos seus bastidores (backstage) que toda estrutura do Estado e todo sistema de justiça operam em Moçambique, incluindo o Conselho Constitucional (CC) o Tribunal Supremo, etc,.
As manifestações pós eleitorais na escala do país surgidas após o apuramento nacional dos resultados das eleições de 9 de Outubro do ano corrente pela CNE e a deliberação final de 23 de Dezembro do CC, denúnciam a ainda existência de estruturas do período monopartidario nos órgãos do Estado em Moçambique. Isto transcendente à problemática dos órgãos eleitorais estarem partidarizados segundo a prescrição da lei eleitoral em vigor em Moçambique.
A Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990 instituío o fim do monopartodarismo e início do multipartidarismo, contudo, volvidos quase 35 anos, surgem evidências de que as estruturas da época do monopartodarismo continuam vigentes e operacionais em toda extensão do Estado moçambicano. Isto significa que temos o monopartidarismo apenas na letra da CRM e o monopartidariamo na prática da funcionalidade do nosso Estado.
Deixe me clarificar que não estou questionando e/ou diabolizar o monopartodarismo, que foi parte do processo de evolução histórica do nosso país. Estou sim debatendo com evidências a existência de estruturas monopartidarias de forma dominante e avassaladora no contexto do multipartidarismo preconizado pela CRM. Antes de debater as evidências vejamos o que vigorava na época do monopartodarismo! Isto vai nos permitir compreender a preposição que aqui levanto.
Tive a sorte de ler com detalhes o Plano Indicativo Indicativo (PPI), li e reli com atenção algumas deliberações da Assembleia Popular e de algumas das suas comissões de trabalho. Da leitura feita pude constatar que a liderança dos juízes dos tribunais faziam parte da Assembleia Popular, acima da Assembleia Popular estava o Comité Central, acima deste estava a Comissão Política e acima deste estava o Bureu Politico, acima deste estava o Congresso do partido. Tinhamos também células do partido em todas instituições dos órgão Estados. A Frelimo era o único partido.
O quê que temos hoje como evidência da preposição aqui levantada? Volvidos 34 anos, temos:
*a) Células do Partido Frelimo nas Instituições do Estado*: (i) Pai duma figura proeminente perdeu a vida (não irei mencionar quem, quando, onde para não atentar contra a dignidade do morto), umas das necrologias publicadas pelo Jornal Notícias dizia …” *_a célula do Partido Frelimo no Hospital Central de Maputo endereças as suas mais sentidas condolências_*”. (ii) Alguns anos atrás houve uma sessão do Comité Centra do Partido Frelimo, imagens foram publicadas na midia e na midia social, duma procuradora provincial a participar na sessão, a midia social foi mais além ao também publicar uma foto do pedido de dispensa da procuradora para estar na sessão (em voz muito baixa, foi por motivos de doença). (iii) Em todas as eleições até aqui decorridas, sem nenhuma excepção, os Círculos dos Bairros viram sede local do Partido Frelimo, ostentando todo material de campanha, isto é evidência de que nos Círculos dos Bairros, de forma regular, funciona também as Células dos Bairros do Partido Frelimo. Concluído, ao nível dos Bairros, na representação local do Estado tem dentro de si, as células do Partido Frelimo. Estas transitaram do monopartidarismo para o multipartidarismo, e continuam operacionais. É verdade que este facto não pode ser generalizado, nas cidades e vilas municipais ganhas pelos partidos da oposição (Renamo e MDM), foram desmanteladas.
*b) Partido Estado ou Partido Instalado Dentro do Estado!* Também pode os dois fenómenos ao mesmo tempo. Lá em cima, no que tange ao monopartidarismo, destacamos a subordinação das instituições e órgãos do Estado às estruturas e órgãos do partido, no período pós CRM de 1990, isto continua em larga escala. Vejamos as evidências: (i) Em 2006 realizou-se o Congresso da Frelimo em Quelimane, o Secretário Geral do partido na altura, o saudoso Manuel Tomé, numa entrevista em que falava dos preparativos da realização do congresso, disse em público que o partido iria reabilitar todas a ruas e avenidas de Quelimane cujas ruas estavam esburacadas e a rua do local da realização congresso era de terra batida, esta foi asfaltada, na verdade todas ruas e avenidas de Quelimane foram reabilitadas, a questão é, com que fundos e competências o partido fez esta reabilitação (?), o governo (executivo) subordinou-se ao partiu e cumpriu o que o partido ordenou em prol do interesse e evento do partido, (ii) anos mais tarde realizou-se décimo congresso em Cabo Delgado, reabilições similares às realizadas em Quelimane ocorreram, im imponente edifício foi erguido, ademais, as alfândegas de Maputo receberam uma ordem para levar toda bebida apreendida do contrabando e também abandonada pelo não pagamento dos direitos aduaneiros, fosse toda ela canalizada ao congresso, um avião foi até fretado para o efeito. Temos aqui um evento exclusivamente do partido e bens sob a égide duma instituição do governo a serem canalizados por uma simples ordem, o mais provável é que não tenha sido escrita/documentada, mas sim telefónica/oral. (iii) Durante anos, vários funcionários do Estado em todo país viram e têm visto nas deduções que sofrem nos seus salários uma delas estar assim escrita “contribuição do funcionário do Estado”, esta dedução não é consentida pelos visados e nem é pré-anunciada, é para o Partido Frelimo. Um partido que entra na estrutura e sistema das finanças do Estado e, sem consentimento nem mandato legal, desconta directamente no salário dos funcionários públicos e canaliza o valor para suas contas, isto é um crime e é ilegal, mas nem a Procuradoria Geral da República, nem o Tribunal Administrativo nem a Assembleia da República usaram a lei para denunciar e travar esta ilegalidade e crime a olho nu, tudo isto porque o Partido Frelimo tem autoridade sobre as instituições do sistema de justiça. (iv) Se a memória não me trai, já somamos até aqui mais de três julgamentos de grande corrupção e que envolve o Partido Frelimo, ou que este é mencionado, mas em nenhum momento este partido é chamado para o tribunal. Nos finais de 2009 tivemos o julgamento do caso Aeroporto de Moçambique em que o ex-PCA, Diodino Cambaza foi condenado a 22 anos de prisão maior (Cambaza já foi director da Escola do Partido Frelimo). Em 2018 houve julgamento da Setina Titosse, na altura Directora do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA) que foi condenada a 18 anos de prisão e anos depois beneficiou duma reeducação, passando para 16 anos.
Em 2022 tivemos o julgamento das Dívidas Ocultas, o maior rombo financeiro que o país teve na sua história, a interferência política neste julgamente foi evidente, até a lei foi manipulada para legalmente beneficiar os arguidos, estão envolvidos neste julgamento valore que são dez mil vezes superiores aos do Cambaza que teve a condenação de 22 anoa de prisão e da Titosse que teve 16 anos de condenação, nas dívidas ocultas a condenação máxima foi de 12 anos de prisão maior, o filho, a secretária e o assessor do antigo Presidente da República (PR) foram implicados e condenados em tribunal, mas antigo PR, apesar de ter sido provado em tribunal que recebeu mais de seis toneladas de suborno em vinho, e mais do que o vinho, não foi julgado e condenado, apenas apareceu como declarante. Em todos os três julgamentos acima apresentados, o Partido Frelimo foi referido como beneficiário de parte dos fundos desta corrupção mas em nenhum momento foi solicitado para comparecer em tribunal e devolver os fundos recebidos.
O caso das dívidas ocultas foi mais grave, visto que foi provado em tribunal que o Partido Frelimo recebeu dez milhões de dolares, o comprovativo da transferência recebida foi até tornado público, mas em nenhum momento o partido foi chamado ao tribunal, foi implicado ou foi responsabilizado. Concluído, em Moçambique, as instituições do sistema de justiça, um dos poderes do Estado, segundo as evidências acima apresentadas, estão sobre directa influência do Partido Frelimo, mesmo com provas apresentadas, em nenhum momento responsabilizam o partido pelos crimes públicos que cometeu ou mesmo para responder às suspeitas e evidências apresentadas.
*c) A Frelimo Manda em Todo Sistema de Justiça em Moçambique*: O Conselho Constitucional (CC) não é excepção, o Tribunal Supremo (TS), muito menos o Tribunal Administrativo (TA) e a Procuradoria Geral da República (PGR). Lembrem-se que na época do monopartodarismo representantes dos tribunais faziam parte da Assembleia Popular onde prestavam contas e acima da Assembleia Popular tinhamos os diferentes instituições e órgãos do Partido Frelimo. Na b) acima apresentamos evidências da autoridade que a Frelimo tem sobre o sistema de justiça, permanecendo o partido impune nas suspeitas de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e benefício próprio que, mesmo com evidências, o partido está envolvido. Voltando às Eleições Gerais de 9 de Outubro, o TS apareceu em público a comunicar que 95% dos cerca de 300 ilícitos e irregularidades eleitorais submetidos aos diversos Tribunais Distritais, foram indeferidos por má instrução do processo, e sustentou isto no desconhecimento da lei e instrução depois do prazo ( https://cartamz.com/index.php/politica/item/17987-eleicoes-2024-tribunal-supremo-diz-que-partidos-desconhecem-legislacao-eleitoral#google_vignette ). Importa aflorar um pouco este mistério legal que interessa a um observador atento. Segundo o TS só o Posemos, Renamo e MDM apresentaram aos tribunais processos de ilícitos e irregularidades eleitorais, (i) os reclamantes estão a apresentar provas de actas assinadas pelos MMV que eles tem as cópias por meio dos seus delegados, a lei eleitoral assim o preconiza, como forma de contestar as actas falsas validadas pelas CNE Distritais, a resposta é, indeferido, está fora do prazo ou não tramitaram bem o processo por desconheceres a lei, ai avançam as actas falsas e ficam de foram as actas que os contestarios as consideram verdadeiras, importa dizer aqui que algumas das actas alegadas como falsas pelos contestarios foram assinadas pela mesma pessoa, (ii) os contestarios estão a reclamar que estas urnas tem mais votos do que os eleitores que estão nos respectivos cadernos eleitorais, a resposta é, indeferido, está fora do prazo ou não tramitaram bem o processo por desconheceres a lei, ai avançam as urnas mesmo com votos mais do que os eleitores escritos nos cadernos eleitorais e ficam de fora as reclamações dos contestarios. (iii) Os contestatarios estão a apresentar uma serie de actas do apuramento local (distrital) e intermédio (provincial) que foram feitos com violação da lei, sem observação dos procedimentos instituídos e outros até com dados adulterados/alterados, a resposta dada é, indeferido, está fora do prazo ou não tramitaram bem o processo por desconheceres a lei, ai avançam as actas falsas e ficam de fora as actas que os contestarios as consideram verdadeiras. Isto faz parte dum esquemas criado para inviabilzar os ilícitos e irregularidades eleitorais contestatarios submetidos aos Tribunais Distritais.
A viciação e manipulação dos resultados eleitorais começa ao nível das Assembleias de Voto através dos MMV que, sem generalizarmos, trocam as actas assinadas por todos intervenientes ao nível da Assembleia de Voto, depois o STAE Distrital entra em acção permetindo também a troca de actas e este processo é chancelado pela CNE-Distrital que faz o apuramento local, este processo segue para os níveis provincial e central também com mesmo papel de cumplicidade entre o STAE e a CNE. Este mecanismo fraudulento ocorre dentro do sistema eleitoral ligando os níveis fa Assmbleia de Voto, com os níveis distrital, provincial e central/nacional, remetendo toda reclamação sobre qualquer ilícito e irregularidade eleitoral aos Tribunais Distritais, e estes por sua vez já estão programados para inviabilizar.
Concluíndo, são tanto os contestarios do Podemos, Renamo e MDM que ficam sem espaço de provar na sede de justiça que as actas que tem em seu poder são as assinadas nas Assembleias de Voto. Nem a SERNIC, nem a PGR, nem os órgãos eleitorais, muito menos os tribunais estão interessados de abordar a matéria criminal que aqui é subjacente, e responsabilizar os infractores, sejam eles MMVs, sejam os partidos políticos, seja o STAE e CNE distrital, provincial e central por trocar e manipular as actas, os Tribunais Distritais tem aqui a oportunidade soberana de, não aprior indeferir os recursos de ilícitos e irregularidades eleitorais, mas sim recebê-los e, com base na lei apurar quais são as actas verdadeiras, e depois criminalizar os perpetradores.
Este tipo de crime eleitoral devia ser considerado como crime público, merecia ter o superior interesse do Estado abordá-lo nos termos da lei e responsabilizar, mas como a Frelimo manda em todo o sistema de justiça, não só ele é coberto de impunidade, como também é promovido em prol de interesses partidários que se sobrepõe subjugando o interesse supremo do Estado. Por isso, o TS e todos tribunais civis, o TA, o CC, a PGR, etc, (não incluo aqui a SERNIC), mantém até hoje o cordão umbilical que na época do monopartidarismo os subordinou a Frelimo, é por isso que na minha interpretação conclusiva digo que a Frelimo ainda manda em todas as instituições dos órgãos de justiça.