Sociedade

Dia Mundial da Gestão da Higiene Menstrual: Um chamado à dignidade, à inclusão e à transformação

Nesta Quarta-feira, 28 de Maio, Moçambique junta-se ao mundo para assinalar o Dia Mundial da Gestão da Higiene Menstrual, uma data que se tornou mais do que simbólica. Ela representa um apelo urgente por dignidade, equidade e justiça social para todas as pessoas que menstruam. Em escolas, comunidades e instituições, o eco é uníssono: nenhuma vida deve ser colocada em pausa por causa de período.

 

Para este dia, as cerimónias centrais, organizadas pelo consórcio WaterAid, Right to Play, FHI, em parceria com o Governo a nível central e distrital, terão lugar na Cidade de Chókwe, Província de Gaza, com réplicas em Namaacha, Chongoene e Boane, locais onde o consórcio, com apoio da Global Affairs Canada (GAC), implementam o projecto SHARE, virado para Educação Sexual e Reprodutiva.

 

A menstruação, um processo biológico natural e inevitável, continua a ser envolta em estigmas, silêncios e mitos. Para milhões de raparigas e mulheres em Moçambique, menstruar ainda significa ter de lidar com barreiras que comprometem a saúde, o acesso à educação e a plena participação social. Muitas vezes, isso traduz-se em faltas constantes à escola, perda de rendimento escolar, exclusão de actividades e até abandono precoce do ensino.

 

O panorama nacional é alarmante. Cerca de 69% das escolas moçambicanas não têm acesso à água potável, 53% não dispõem de saneamento básico, e 85% carecem de serviços de higiene adequados. Essa realidade afecta gravemente o ambiente escolar, sobretudo para as raparigas, que enfrentam desafios únicos durante o período menstrual. Nas zonas rurais, onde a infraestrutura escolar é ainda mais precária, muitas raparigas optam por não frequentar a escola nesses dias, por falta de casas de banho seguras e privadas, ausência de produtos menstruais adequados e, em muitos casos, vergonha.

Além de prejudicar a educação, a falta de condições adequadas representa um risco directo à saúde. A inexistência de água limpa e saneamento básico favorece a propagação de doenças como cólera, diarreia e infeções do trato urinário. São riscos evitáveis, mas recorrentes, que afectam, tanto estudantes como professores.

 

A pandemia da COVID-19 veio destapar esses problemas. O regresso às aulas durante a crise sanitária destacou a fragilidade estrutural das escolas moçambicanas. Como garantir o direito à educação sem comprometer a saúde pública, quando não há sequer sabão para lavar as mãos? Em muitos estabelecimentos, reabrir portas significava expor crianças, adolescentes e professores a riscos evitáveis.

 

Contudo, Moçambique não está isolado nessa realidade. Globalmente, entre 2016 e 2022, mais de 10 milhões de meninas e mulheres em 41 países faltaram à escola, ao trabalho ou a eventos sociais devido à falta de condições mínimas para gerir a menstruação com dignidade. A ausência de água, sabão, produtos menstruais, casas de banho adequadas e informação transforma um processo natural em obstáculo diário, perpetuando um ciclo de exclusão silenciosa.

 

Pessoas que menstruam — incluindo mulheres cisgénero, raparigas, pessoa trans e não-binárias — continuam a enfrentar barreiras invisíveis, desenhadas com base no silêncio, na vergonha e na desinformação. Esse silêncio institucionalizado priva milhões de oportunidades e reforça desigualdades históricas. Em vez de ser reconhecida como uma questão de saúde pública e de direitos humanos, a menstruação ainda é vista como um tema secundário, desconfortável e muitas vezes ignorado.

 

No entanto, quando criadas as condições adequadas, o impacto é transformador. Raparigas que têm acesso a sanitários seguras, água potável, sabão e produtos menstruais participam mais nas aulas, sentem-se mais confiantes e mantêm-se na escola por mais tempo. Quando se combate o estigma e se promove a educação menstrual, promovem-se também o empoderamento, a autoestima e a igualdade de género. Neste contexto, a WaterAid Moçambique reafirma o seu compromisso em apoiar e pressionar por mudanças estruturais. Reconhecendo os esforços já realizados pelo Governo e parceiros como o UNICEF, a organização destaca que é necessário ir mais longe, com maior rapidez e coordenação. Segundo Gaspar Sitefane, Director Nacional da WaterAid em Moçambique, “o Governo deve apoiar uma abordagem multissectorial, sustentada por fortes mecanismos de coordenação entre os ministérios da educação, saúde, finanças e obras públicas. O futuro das raparigas não pode esperar”.

 

A WaterAid defende ainda a criação de uma Task Force nacional que reúna governo, doadores, organizações da sociedade civil e sector privado, com o objectivo de garantir uma resposta eficaz e sustentável ao problema. Além disso, propõe o reforço do orçamento destinado a infraestruturas escolares e à manutenção contínua dos serviços de água, saneamento e higiene, bem como o desenvolvimento de uma política nacional integrada para a higiene menstrual.

 

Outras recomendações incluem a promoção da educação transformadora sobre higiene menstrual, com enfoque na equidade de género e na inclusão de pessoas com deficiência, e a implementação de um sistema nacional de monitoria e avaliação que permita recolher dados fiáveis e periódicos sobre as condições de água e saneamento nas escolas. Esses dados são essenciais para a definição de políticas públicas informadas, eficazes e justas.

 

Neste Dia Mundial da Gestão da Higiene Menstrual, a mensagem que ecoa é clara: “Todos Juntos, por um Período Menstrual Amigável no Mundo”. Nenhuma rapariga deve ficar em casa por não ter onde se trocar ou por não conseguir comprar um absorvente. Nenhum professor deve escolher entre ensinar e proteger a sua saúde. Nenhuma escola deve ser um lugar de risco e insegurança.

Porque a dignidade começa com o acesso a um saneamento decente.

Porque a equidade começa com uma torneira que jorra água limpa.

 

Porque o futuro de Moçambique — e do mundo — depende de garantirmos que todas as pessoas, independentemente do seu género ou condição, tenham os mesmos direitos, oportunidades e meios para viver com dignidade.

É tempo de agir. E agir com urgência.

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