Por Luís Nhachote
A partir de Lisboa, acompanhei com agrado, a entrevista que o candidato
presidencial da Frelimo, Daniel Chapo, concedeu ao jornalista Afonso Chavo
do canal STV do grupo SOICO.
Ao expôr-se ao crivo de questões complexas num canal privado, “desalinhado
com os alinhamentos”, Chapo que antes havia falado numa colectiva com
os alinhados (in)suspeitos de sempre, acabou por responder a algumas
perguntas, entre as quais uma que se recusara responder a Chavo numa
ocasião recente.
Na entrevista ao jovem jornalista da SOICO, Chapo lembrou-nos que as
multinacionais que exploram recursos naturais no país devem cumprir com as
suas obrigações no âmbito da responsabilidade social e fiscais.
Numa breve radiografia sobre a sua experiência governativa, pelas palavras do
entrevistado, pode se verificar partes do seu consulado como governador de
Inhambane em que realizou um interessante braço-de-ferro contra a gigante
SASOL.
Chapo lembrou que em 2018 a Sasol prometera construir diversas
infraestruturas. Em 2017, a empresa sul-africana havia garantido ao governo
provincial que iria reabilitar a ponte-cais da Maxixe, o que não fez por
isso "Nós perdemos a confiança. Tivemos várias promessas que nos fizeram
perder tempo. Mas eles continuam a dizer que iam apoiar e ficámos à
espera", disse a dada altura Chapo.
Pelas suas palavras nota-se que muitas das promessas da SASOL, acabaram
por ser cumprindas ao longo do seu consulado, graças a esta teimosia,
uma férrea vontade e uma paciência para reverter a situação a favor das
comunidades onde os recursos são explorados. De alguma forma, esta
experiência, coloca-o como um actor experiente e numa posição privilegiada,
caso seja eleito, de poder discutir com as outras multinacionais que operam no
país, boa parte das quais é afectada por uma amnésia colectiva.
Ao longo da entrevista Daniel Chapo, recorreu a exemplos práticos do trabalho
que fez como Governador em Inhambane, com a multinacional
petroquímica sul-africana Sasol, que tinha sérios problemas em cumprir com
as suas promessas e realizar o devido no âmbito da sua responsabilidade
social.
"A experiência que nós tivemos em Inhambane, de lutar com a multinacional
Sasol para que ela pudesse mudar e perceber que os recursos existentes em
Moçambique, o gás existente em Moçambique, e mais concretamente o gás
existente em Temane, Inhassoro, deve beneficiar o povo
Moçambicano. Foi um trabalho que com a nossa persistência, com o apoio da
nossa liderança, conseguimos fazer com que tivéssemos acordos de
desenvolvimento local onde a população escolhe aquilo que deve ser feito ao
nível das comunidades e a Sasol cumpra com aquilo que realmente a
população quer" – lembrou Daniel Chapo.
O candidato da FRELIMO, Daniel Chapo, acrescentou ainda que vai
igualmente trabalhar junto de outras multinacionais, para garantir a inclusão
das empresas locais para a prestação de serviços nas multinacionais que
operam no país, como fez em Inhambane, potenciar o referido “conteúdo
local”. Chapo disse igualmente que as multinacionais deviam pagar impostos.
"Naquela altura era difícil encontrar uma empresa moçambicana ou uma
empresa local a prestar serviços à Sasol, tivemos que dizer àSasol que há
serviços que não precisam de uma empresa estrangeira, há serviços que até
não precisa que uma empresa venha de um outro local, para fazer uma
limpeza de um escritório, para tratar do jardim e outros trabalhos que não
precisam de nenhuma especialização pelo que tinha que começar a ser as
empresas locais a prestar serviços para que o dinheiro ficasse nas
comunidades locais, e ficasse nas pequenas e médias empresas locais e
principalmente nas empresas dos nossos jovens, hoje isso está a acontecer em
Inhassôro e é esta experiência que nós queremos transmitir a todo
Moçambique" – reforçou Chapo.
"Nos locais onde há exploração dos nossos recursos seja gás, seja ruby, seja
areia pesada,seja qualquer outro recurso é importante que estas empresas
reconheçam que o povo é que é a nossa atenção, a nossa população precisa
de mais escolas, mais hospitais, mais água, os nossos jovens precisam de
mais centros de formação, precisam de financiamento para poderem fazer os
negócios [….]",- afirmou o Candidato presidencial do FRELIMO, Daniel
Chapo.(x)
A entrevista em si, foi muito interessante, Chapo desvenda-se, e acelera a
sua perspectiva de país, de liderança, dos problemas e dos desafios do país.
Fala de maneira diferente, das primeiras aparições na condição de candidato.
É mais ele e menos “o apresentado”, ou aquele que “vem a seguir”.
Ao longo da entrevista Chapo problematiza tabus da Frelimo: corrupção,
educação, soberania, terrorismo, emprego, trabalho, desenvolvimento e
apresenta ideias e perspectivas concretas sobre as questões. Os trechos da
entrevista ilustram, para mim, algo que me parece transparecer na
personalidade deste candidato, uma pessoa que não vai permitir que os
recursos nacionais sejam retirados da forma como até aqui tem acontecido. É
preciso coragem antes da paciência.
O candidato presidencial da Frelimo para as eleições gerais de Outubro
próximo, Daniel Chapo, tem 47 anos de idade, é natural de Inhaminga, distrito
de Cheringoma, província de Sofala. Jurista de profissão, que está na política
activa desde 2015, altura em que foi nomeado administrador de Nacala-a-
Velha, na província de Nampula.
Antes, desempenhara as funções de Conservador no distrito vizinho de
Nacala-Porto, na mesma província. Nascido em 1977, Daniel Chapo é formado
em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane,
tendo terminado a licenciatura em 2000. Em 2004 faz o curso de Conservador
e Notariado e dez anos depois, em 2014, concluiu o Mestrado em Gestão de
Desenvolvimento pela Universidade Católica de Moçambique.
Foi docente de Direito Constitucional e Ciências Políticas e trabalhou como
locutor na Rádio Miramar. Em Novembro de 2015, o jurista, que já
desempenhava as funções de Administrador de Nacala-a-Velha, é transferido
para as mesmas funções no distrito de Palma, província de Cabo Delegado.
Cerca de cinco meses depois, em Março de 2016, é nomeado Governador da
província de Inhambane. Nas eleições de 2019, Chapo foi cabeça-de-lista da
Frelimo para Governador de Inhambane, assume o cargo após a vitória do seu
partido naquele pleito.
Alguns analistas consideram que Daniel Chapo representa a transição
geracional efectiva dentro da Frelimo, na medida que é nascido no período põs
independência, sem vínculo directo com a luta de libertação nacional.
Outros ainda consideram que a sua indicação acaba por cumprir com a
narrativa, nunca oficialmente confirmada, de que agora seria a vez do Centro
fechando, espera-se, o ciclo doa rotatividade/factor regional e relançando o
desafio da discussão do perfil para a presidência dentro do partido dos
Camaradas.
Descrito como ponderado, dinâmico e proactivo,Daniel Chapo, se for eleito, a
9 de Outubro próximo, será o quinto presidente
de Moçambique independente, depois de Samora Machel, Joaquim Chissano,
Armando Guebuza e Filipe Nyusi. Há internamente e nos círculos que
gravitam à volta de interesses dentro da Frelimo, principalmente de Nyusi,
tentativas nada veladas de reinaugurar a bicefalia política, mantendo Nyusi a
chefia do Partido e Chapo apenas a do Estado moçambicano.
Vale lembrar que Guebuza tentou esta saída, mas Nyusi e a sua base interna
descartaram e revela-se pouco provável que Nyusi logre os seus intentos
mesmo usando os seus aliados no CC, na bancada parlamentar da Frelimo na
Assembleia da República e o séquito de spin doctors que o endeusam e o
canonizam 24 horas por dia.
Alguns destes debates, a acção das multinacionais, a bicefalia que o seu ainda
chefe engendra e aquela que, literalmente, travou o desenvolvimento nas
províncias, alinham-se como os desafios primeiros deste Chapo, Jurista-
Docente-Notário-Administrador-Governador, quem sabe presidente (?), no
número 2000 da Julius Nyerere e no número (?) da Rua da Frente de
Libertação de Moçambique de que é agora Secretário-geral em exercício.
Creio que a refundação do Estado moçambicano agregando todos os aspectos
positivos desde a sua independência até aos dias de hoje pode ser o caminho
mais cidadão e nacionalista deste jovem que passou dois anos no cativeiro da
Renamo no início da guerra-civil evento que influenciou muito o estado
popular moçambicano e moldou a história contemporânea nacional. O subtil
braço de ferro de Chapo com a SASOL ilustra o despontar de uma soberania
que urge que assumamos como país reverter o que se conseguiu e no futuro
muito mais ainda. Mas eis a questão: conseguirá Chapo ganhar o pleito de
refundar o estado? (Moz24h)