Nangade, Cabo Delgado – No dia 7 de Abril de 2025, o distrito de Nangade foi palco de uma cerimónia simbólica que, em vez de unir, expôs de forma gritante as feridas abertas de um país cada vez mais desigual. A Chama da Unidade, reacendida em alusão aos 50 anos da sua primeira ignição, transformou-se num símbolo de exclusão, encenação política e sofrimento coletivo.
O Presidente da República, Daniel Chapo, falou de reconciliação, diálogo inclusivo e independência económica. Mas enquanto os discursos ecoavam nos altifalantes, o povo dormia ao relento, os jornalistas passavam fome e as delegações sobreviviam sem água, alimentação ou apoio logístico.
Delegações inteiras e profissionais da imprensa nacional chegaram ao distrito dias antes do evento, vindos de Pemba, sem ajuda de custo, sem alimentação assegurada e sem condições mínimas de estadia. Dormiram em viaturas, no chão, improvisando abrigos com lonas ou capulanas, como se fossem mendigos de uma festa que nunca os convidou para sentar à mesa. Tudo isto, para ver acesa uma tocha que custou 30 milhões de meticais, enquanto a população local continua sem carteiras nas escolas, sem agricultura funcional, com madeira saqueada e exportada ilegalmente diante dos olhos cúmplices do poder.
A maldição da chama: quando os presidentes acendem e o povo apaga
A cerimónia de Chapo reviveu um ritual já encenado antes. Armando Guebuza acendeu a tocha após tomar posse, com promessas de combate à pobreza absoluta. Resultado Explosão de dívidas ocultas, repressão a manifestações e aumento da desigualdade.
Depois, Filipe Nyusi reacendeu a chama, prometendo segurança, estabilidade e crescimento. Mas sua governação foi marcada por terrorismo em Cabo Delgado, escândalos de corrupção, assassinatos de ativistas e jornalistas, e um país cada vez mais dividido entre a elite política e a população empobrecida.
Agora, com Daniel Chapo, a história repete-se: discursos ensaiados, promessas recicladas e uma tocha reluzente que percorre o país como se fosse sinal de esperança. Mas cada vez que essa chama é acesa, o povo sente que é a sua própria vida que arde.
É em Nangade, terra esquecida distrito como aldeia, fustigada pelo terrorismo, que tudo se torna mais evidente. Ali onde não há escolas em condições, onde a juventude cresce sem alternativas, onde a ajuda humanitária se tornou o único alívio, o governo decidiu que era o lugar ideal para reacender a unidade nacional.
Mas qual unidade? Uma unidade feita de sofrimento partilhado, de pobreza institucionalizada e de discursos que escondem a falência moral de um Estado que gasta milhões para manter viva uma chama, enquanto apaga os sonhos de um povo inteiro?
Enquanto a chama corre, o povo pára, a Chama da Unidade agora viaja pelo país, acompanhada de escoltas, discursos e bandeiras. Mas em Nangade, ficou o vazio. Ficaram as estradas destruídas, os alunos sob árvores, a fome nas casas, e um povo que assistiu, pela enésima vez, ao teatro do poder fingindo que se importa.
E assim segue Moçambique: presidentes acendem tochas, e o povo continua a viver no escuro. (Moz24h)