O compromisso de Moçambique em usar o espaço fiscal criado pela Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) para aumentar as despesas sociais, de saúde e económicas afectadas pela COVID-19 não passou de uma promessa vazia.
Diz o Fórum de Monitoria do Orçamento
Além de não relatar o espaço fiscal total liberado pela iniciativa, o Governo também não fez nenhuma menção aos fundos libertos através da DSSI e o seu destino. Esta omissão e a falta de transparência reafirmam os problemas sérios no processo de gestão dos fundos da COVID-19.
A pandemia da COVID-19 introduziu desafios sem precedentes para a comunidade global, resultando em uma crise de saúde pública e perturbações económicas generalizadas, principalmente em países altamente endivida- dos. Em resposta, o Fórum do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) lançou a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) em Março de 2020. O objectivo da iniciativa era ajudar os países elegíveis a aumentar a sua capacidade de resposta ao impacto da pandemia, evitando o incumprimento no serviço da dívida.
Moçambique foi um dos países elegíveis para o DSSI. O país aderiu oficialmente à iniciativa em Setembro de 2020, ao assinar um Memorando de Entendimento (MdE) com o grupo de credores filiados ao Clube de Paris. Moçambique manifestou ainda a intenção de suspender o serviço da dívida com 15 dos seus credores bilaterais, com os quais tinha parcelas agendadas entre Maio e Dezembro de 2020.
A fase inicial de implementação do DSSI foi concluída com acordos bilaterais de suspensão com a China, Coreia do Sul e Japão, resultando na liberação de recursos financeiros de aproximadamente 22,3 milhões de dólares norte-americanos (USD)1, representando cerca de 11% do serviço da dívida bilateral previsto para o período entre Maio e Dezembro de 2020. No entanto, o Governo não forneceu nenhuma informação sobre o destino desses recursos, o que é motivo de enorme preocupação.
Esses valores representam apenas os montantes libertos na fase inicial, não tendo o Ministério da Economia e Finanças (MEF) voltado a reportar os recursos libertos posteriormente.
Ao aceitar o acordo DSSI, Moçambique compro- meteu-se2 a utilizar o espaço fiscal criado para aumentar as despesas das áreas sociais e económicas afectadas pela COVID-19. Com isso, previa-se que no dia 27 de Julho de 2022 fosse feita menção do uso dos recursos desta iniciativa, no âmbito da publicação do relatório de monitoria da execução financeira e física dos fundos alocados em resposta à crise da COVID-19 em Moçambique para o período entre Março de 2020 e Dezembro de 2021. Entretanto, essa informação não consta do relatório.
De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Moçambique teve uma poupança potencial de 565,1 milhões de dólares através da DSSI, equivalentes a 3.7% do PIB, uma dasmaiores na África Subsariana. Esse valor representa cerca de 80% do total de fundos previstos para o plano de resposta à COVID-19.
Para analisar o que seria possível financiar no plano de resposta à COVID-19 com o valor liberado por esta iniciativa (565 milhões de dólares), o gráfico abaixo apresenta os valores orçamentados para a resposta à COVID-19. Com os recursos libertos pela iniciativa, o Governo poderia financiar integralmente a expansão das transferências às famílias vulneráveis, elevando o número de famílias beneficiárias de 592.179 para 1.696.004 (orçado inicialmente em cerca de USD 240 milhões).
No entanto, essa alocação não esgotaria os fundos, pois o Governo ainda teria recursos suficientes para financiar totalmente a prevenção e o tratamento, adquirindo material de protecção e tratamento, incluindo ventiladores e equipamento médico, orçados em 100 milhões de dólares, bem como mitigar os efeitos da COVID-19 no Orçamento do Estado, compensando a perda de receitas devido à revisão em baixa do PIB de 4% para 2.2%, deferimento do pagamento do Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC), orçados em 200 milhões de dólares.
Apesar da disponibilidade de fundos da DSSI, o MEF tem reportado uma dotação abaixo dos 240 milhões de dólares previstos para o sector da protecção, que foi uma prioridade no processo de angariação de fundos. Portanto, o CDD insta o MEF a fornecer um relatório abrangente e transparente sobre a alocação dos fundos liberados no âmbito da DSSI. Isso garantirá que a eficácia da iniciativa seja totalmente avaliada e a responsabilização seja estabelecida em caso de uso indevido.
Vale lembrar que essa iniciativa teve efeitos adversos sobre a carga da dívida externa do país a partir de 2022. A concentração e o agravamento das obrigações do serviço da dívida devido à suspensão dos pagamentos representam uma sobrecarga no espaço fiscal. Adicionalmente, um serviço da dívida mais elevado torna a carteira da dívida mais exposta ao risco cambial, uma vez que a depreciação do metical pode ter um efeito devastador na capacidade de pagamento Se a recuperação económica for interrompida devido a choques climáticos ou política monetária restritiva, a posição da dívida pública do país poderá deteriorar-se, resultando na redução do investimento público e privado. Isso pode exigir várias fases de alívio da dívida e reestruturação gradual, comprometendo ainda mais a sustentabilidade do país.
Isso reforça a necessidade de uma gestão responsável e uso efectivo do espaço fiscal proporcionado pela iniciativa para apoiar sectores afectados negativamente pela pandemia, especialmente a protecção social dos grupos mais vulneráveis. Apenas ao fazer isso, essa iniciativa pode ser considerada viável.
https://fmo.org.mz/wp-content/uploads/2023/04/Governo-oculta-565-milho%CC%83es-de-do%CC%81lares-libertos-pela-Iniciativa-de-Suspensa%CC%83o-da-Di%CC%81vida-que-deviam-ser-usados-para-resposta-a%CC%80-COVID-19.pdf
(Fórum de Monitoria do Orçamento)