Por Tiago J.B. Paqueliua
A recente decisão do Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMavota, que anulou a segunda volta das eleições internas para o cargo de Secretário-Geral do PODEMOS, deve ser celebrada não apenas como um ato de justiça, mas como um sinal de alerta: os partidos políticos moçambicanos continuam a alimentar o vício de não respeitar nem mesmo as regras que eles próprios criam.
A situação é emblemática. Alberto Ferreira, o candidato mais votado na primeira volta (37%), viu-se lesado quando, em plena 11ª reunião do Conselho Nacional, o PODEMOS decidiu impor um requisito inédito: somente seria eleito quem atingisse 50% dos votos. Uma exigência inexistente nos estatutos do partido.
A mudança de regras em pleno jogo é mais do que uma traição interna — é uma expressão clara da cultura de poder despótico e desonesto que ainda impera na maioria dos espaços políticos em Moçambique.
O que está em causa não é apenas a ambição de um candidato ou a má-fé de um grupo dominante. Estamos diante de um fenómeno sistemático de desrespeito pela legalidade, que se replica desde os corredores partidários até os altos órgãos do Estado. O caso PODEMOS serve de microcosmo para um mal maior: a erosão da ética política, a substituição da lei pelo oportunismo e a naturalização do arbítrio como método de governação.
Sob o ponto de vista jurídico, o tribunal fez o que se espera de qualquer instância que se pretenda independente: fez valer o princípio da legalidade, salvaguardou direitos políticos internos e evitou que a estrutura partidária se tornasse uma caricatura de si mesma. Mas o mais inquietante é que foi preciso recorrer aos tribunais para obrigar um partido a cumprir as suas próprias normas. Isso, por si só, é absurdo e denuncia o grau de degradação institucional que enfrentamos.
O PODEMOS não soube agir moralmente – agir moralmente é fazê-lo segundo as máximas das leis universais.
Se os partidos alteram as regras em função de conveniências momentâneas, como poderão liderar uma nação com princípios?
Se não há integridade interna, como esperar que promovam justiça social, governança transparente ou políticas públicas consistentes?
Além disso, os partidos continuam a ser tratados como propriedades privadas dos seus líderes ou grupos dominantes, em vez de instituições públicas da cidadania. Essa prática degrada a política, transformando-a em feudo, em vez de espaço de participação livre, plural e equitativa.
Enquanto não se democratizarem internamente, os partidos nunca serão veículos confiáveis para a transformação democrática de Moçambique.
Esta crise interna no PODEMOS mina a esperança de um verdadeiro contrapeso político à hegemonia da FRELIMO. O partido que hoje ocupa o lugar da oposição mais robusta do país tem o dever de apresentar-se como alternativa credível, e isso devia começar pela consistência ética interna – inexistente.
Crises como esta enfraquecem o partido não só diante do eleitorado nacional, mas também perante a comunidade internacional, que espera encontrar nos partidos da oposição ser uma âncora para a estabilidade democrática e a renovação do Estado.
Estamos, pois, diante de um momento decisivo. Ou os partidos moçambicanos, especialmente os que se propõem como alternativa, aceitam entrar numa nova era de governança partidária com base na legalidade, transparência e ética, ou continuarão a ser mais do mesmo: máquinas de poder geridas por conveniência, e não por princípio.
A decisão do Tribunal de KaMavota não é apenas uma vitória de Alberto Ferreira — é uma rara vitória do Direito sobre o arbítrio, da Justiça sobre a manipulação, da Democracia sobre a arrogância dos dirigentes partidários. Que sirva de lição. E que se repita sempre que for necessário.