Por Josué Bila
As últimas eleições moçambicanas talvez estejam a expor os derradeiros estágios de nudez das elites políticas da FRELIMO, por se encontrarem politicamente desarticulados com a realidade social, razão pela qual tanto aquelas elites quanto os seus beija-mãos encontram-se aportados na estação do vitupério público.
Está óbvio que as imparáveis manifestações em curso são a exposição da inglória da Política do supremo partido, cujo museu popular preserva a memória do esmagamento da dignidade humana e grosseiras violações dos direitos humanos – assassinatos físicos e morais, operação produção, adjectivações pejorativas a quem ou a grupos que pensam diferente (“matsangaíssas”, por exemplo), perseguições e ameaças, excessiva partidarização do Estado, dilapidação da economia, anorexia social por bloqueio de oportunidades para todos e demonização velada da democracia liberal.
Como é que, em quase 50 anos, jovens que trouxeram a Independência Nacional não mais podem andar, já idosos, em paz nas ruas? Porque serviram o antônimo da dignidade humana e dos direitos humanos nos pratos dos moçambicanos, estes que, exaustos pelas elites políticas cafonas, estão a devolver com manifestações político-democráticas (às vezes, com vícios de cidadania rancorosa) à governação imprudente, indecente, estúpida, desinteligente, rafeira, injusta e descarada. Entretanto, as elites políticas da FRELIMO são o problema de tudo e de todos?
Fragilidade na ética republicana e democrática A sociedade já percebeu que aquelas elites políticas não estão somente em estado de nudez, mas também a sua esterilidade ética nunca produziu práticas republicanas, em virtude de o partido e os seus príncipes terem colocado a semi-ditadura e as armas como
as únicas vias para as relações políticas e sociais no Estado. Desta maneira, em quase 50 anos, as elites políticas não cavalgaram pelo cavalo republicano e nem tão pouco incorporaram os princípios do Estado de Direito.
Em decorrência dos acontecimentos político-eleitorais em curso, os quais deflagraram a exaustão social, os emissários das elites políticas estão em todo canto do Mundo a procurarem por diálogos e a fazerem diplomacias capazes de produzirem alguma reviravolta nos resultados eleitorais. As elites políticas da FRELIMO podem mudar o resultado das eleições a seu favor, como a história da semi-democracia eleitoral, em Moçambique, regista. Porém, há uns pratos que já estão em suas cozinhas, os quais serão a ceia diária: a violência da exaustão popular e a cidadania rancorosa sistemáticas, esta última também alimentada pelos grupos cívicos, os quais foram anelados pela única perspectiva de observar os fenómenos políticos e a actuação do Governo da FRELIMO.
Seja como for, parece-me que esses pratos – violência da exaustão popular e cidadania rancorosa – representam a ideologia dos excluídos de todas matizes. Duvido muito que as técnicas daqueles cursos ideológico-securitários da ex-URSS, China e Cuba ([contra] Inteligência, agitação, propaganda, sexespionagem e ameaças, assassinatos aos democratas, defensores de justiça social e activistas dos direitos humanos), por exemplo, enfrentarão, com sucesso, a violência da exaustão popular e a cidadania rancorosa.
Por as elites da FRELIMO apresentarem alguma fragilidade na ética republicana e democrática deixa(ra)m-se assessorar por beija-mãos (os cognominados de lambe- botas), os quais os manipulam com lisonjas floreadas, segundo as quais elas (as elites da FRELIMO) são umas reservas morais e uns exclusivos entes detentores do único cajado indicador dos destinos de Moçambique, significando que a esmagadora maioria da sociedade moçambicana é constituída, de acordo com os vanguardistas vermelhos, de gabo, alegadamente, sempre à espera de uns pastores violentos e metralhadores dos pensadores diferentes da congregação Frelimista. Toda essa guilhotina dos vanguardistas vermelhos produziu um conjunto vil de vermes da Política, esta transformada em ignomínia e em cafonice. Não mais é charmoso pertencer à FRELIMO e seu Governo, em virtude de ele ter se transformado em uma aberração pública a partir da qual não fosse pela força das ameaças, armas e uso do Estado para a sua manutenção no Poder, estaríamos diante de um ensaio bem adiantado do desaparecimento do Partido.
Os lisonjeadores profissionais, desde a Independência Nacional, expuseram as elites políticas aos variados vexames políticos, os quais os tornam ridículos em Moçambique e no Mundo. Os assessores da lisonja são, sem sombras para dúvidas, também responsáveis por este caos social no qual Moçambique está mergulhado.
Única via analítica e a cidadania rancorosa
Nem tudo tem como causa a FRELIMO e as suas práticas cafonas, principalmente quando formos a estudar a História da violência estrutural, das corrupções e da violação dos direitos humanos, em Moçambique. A violência da FRELIMO, tanto como Frente quanto como partido político (no Poder), espevitou a radicalização de grupos oponentes ao Regime e, consequentemente, a construção da narrativa unilateral de que “nós, os
defensores da democracia e dos direitos humanos, estamos certos”.
Na nossa história cívica, a observação às dinâmicas das estruturas sociais e às pessoas nas suas várias interações, perseguindo os seus interesses e coalizões, fora do raio de acção da cafonice partidária da FRELIMO, é um anátema nos grupos de defesa dos direitos humanos e transparência. As nossas deficiências institucionais no Estado podem também ser associadas aos comportamentos generalizados ligados aos furtos de bolos, guloseimas, pedaços de carne, bebidas e outras iguarias nas cerimónias matrimoniais, por exemplo. Tomar essa realidade e as sabotagens estomacais, protagonizadas pelos convivas contra o dono da festa nessas cerimónias, são, a meu ver, uma ponte observacional para a compreensão das corrupções e violências na economia política mais ampla, na sociedade e no Estado.
O problema de negociações secretas para a exploração dos recursos naturais de Moçambique é visivelmente da FRELIMO, como constatam muitos estudos e relatórios. Porém, as memórias que suportam esses
comportamentos da FRELIMO são sociais, com implicações históricas, a exemplo de muitos acordos “assinados” entre os lideranças africanas e europeias, no tempo colonial, sem consulta às comunidades.
Ainda que também seja um defensor dos direitos humanos, há 21 anos, não posso deixar de apontar as raízes subjacentes das nossas violências protagonizadas pelo Estado, as quais perpassam o partido no Poder. Avento, consequentemente, a hipótese de que para que compreendamos a Política (Estado, governo da FRELIMO, por exemplo) tenhamos de compreender as variadíssimas malhas comportamentais e interações sociais dos moçambicanos comuns, incluindo das famílias e das comunidades. Quando nos armamos da cidadania rancorosa facilmente ficamos zangados com as declarações das nossas muralhas de ignorância política, a exemplo do atual chefe de Estado ou do Comandante-Geral da Polícia. Dificilmente, é por via da indignação rancorosa que se busca mecanismos para a compreensão da natureza da Política moçambicana.
Uma das formas para a compreensão da natureza Política moçambicana seria através da observação das relações sociais existentes nas interações interpessoais, no conjunto da sociedade, e extrair daí alguns comportamentos regulares. Essas hipóteses, que as levanto, são fruto de vários experimentos empíricos para as produções de uma análise política a partir de observações na maneira como vários indivíduos e classes de pessoas são servidas ou se servem nas festas. Reparem, por exemplo, que os pastores são, primeiro, servidos, com as melhores iguarias e sumos ou mesmo outro tipo de bebidas.
As viúvas e os órfãos, por sua vez, são servidas talvez por último e sem as melhores iguarias e bebidas. Tenho tentado fazer estas associações (pastores, como se fossem as elites da FRELIMO, e as viúvas e órfãos, como a maioria dos excluídos e sem direitos iguais). É muito provável que esta estrutura social – instituição de relações e interações sociais – acompanhe os nossos comportamentos, numa base de privilégios.
As nossas relações sociais são dinamizadas quase sempre por relações de privilégio, razão pela qual também podemos chamar Moçambique de uma sociedade de privilégios em contraposição à sociedade de direitos, e esse conceito (privilégio) permeia as minhas análises sobre Moçambique. Desta maneira, devo confessar-vos que não somos somente da FRELIMO e suas elites, mas também por pessoas e grupos que a ele se opõe, os quais não nos permitem a reflexão, mas nos comandam para os pontos de acusação ou da cidadania rancorosa. Não há elegância intelectual nenhuma quando o debate é institucionalizado apenas entre os oprimidos e opressores, como se os oprimidos fossem meras ovelhas ingénuas, incapazes de produção de uma variedade incalculável de corrupções e injustiças.
Conclusão
Independentemente dos resultados eleitorais que serão brevemente divulgados, a sociedade moçambicana pode precisar de um debate aberto e menos preconceituoso sobre se os comportamentos das elites dirigentes não são uma reprodução espiral das corrupções e violências encontradas, nas nossas estruturas sociais, ou quais são as causas subjacentes. Eu, que também clamo pelo desarraigamento da FRELIMO do
Poder, prevejo que os próximos que ocuparem o Poder podem igualmente ser a terceira fase colonialista, se não fizerem auto-avaliação de que tanto eles quanto os atuais dirigentes pertencem à mesma estrutura social e mentalidade, onde os privilégios são o pêndulo das relações sociais, com implicações políticas. Não é sobre eles (elites imprudentes) e nós (d “o país é nosso. Salve Moçambique”). É sobre a estrutura de privilégios, na qual dinamizamos as nossas relações sociais – quando, todos nós, com algumas excepções, estivermos na cadeira do Poder, achamo-nos na prerrogativa de violentar, humilhar, sabotar e, consequentemente, abocanhar o que não nos pertence. Estes comportamentos são estruturalmente sociais (e subjacentes) e menos governamentais (e óbvios).