Sociedade

Polícia Dispara Contra Passageiro em Plena Viagem e Incendeia Revolta Popular em Inhambane

Uma vez mais, a brutalidade policial expõe — como tem sido apanágio — o rosto desfigurado do Estado Moçambicano.

Por Tiago J.B. Paqueliua

Durante uma perseguição a um transporte semi-coletivo de passageiros, vulgo “chapa”, supostamente por este ter evitado pagar a taxa de portagem em Malova, distrito de Massinga, na província de Inhambane, e por conseguinte escolher outra via de alternativa, agentes da Polícia da República de Moçambique, ligados à Unidade de Intervenção Rápida (UIR), abriram fogo, atingindo um passageiro que se encontrava dentro da viatura.

Segundo o Jornal Evidências de 29/07/2025, a vítima encontra-se sob cuidados médicos, enquanto a população, revoltada, bloqueou a principal via que liga o Norte ao Sul do país, exigindo justiça. No entanto, não há — como sempre — nenhum posicionamento das autoridades.

Mesmo diante de consciências silenciadas, com a participação imaginada de figuras com cabeça para pensar Moçambique,
mesmo um cego vê que o sistema que envenena o povo com uma independência de fachada — agora dispara contra os cidadãos que ela devia proteger, uma execução sumária de passageiros por delito do motorista que bem é delito, pois não passou da portagem sem pagar, mas escolheu uma via que não lhe permitisse pagar, postura que não configura crime, pois há ausência de Lei que obrigue todos os motoristas circular apenas nas vias com Portagem.

O problema é estrutural. A farda foi feita para proteger a ordem do novo colonizador — mudaram-se a constituição, o hino e a bandeira, e o mais grave manteve-se a pedagogia do fuzil palmatória e do chicote sob forma de fuzil nas mãos do nativo contra o nativo, diante do olhar das mulheres, dos idosos, dos líderes religiosos, dos académicos, dos parlamentares, da Sociedade Civil e da costa grossa e ouvidos de mercador do CNDH, da PGR, do Provedor da Justiça, e tantos outros que deviam agir pelos fracos.

Quem chora o sangue inocente derramado em nome de taxas e portagens?

A democracia não pode ser um bordado retórico sobre um tecido apodrecido. Chega de polícia pontual e eficaz a obrigar pessoas a transitar apenas onde se-lhes é extorquido dinheiro difícil de conseguir. Porquê não perseguem narcotraficantes e terroristas de toda a espécie, incluindo os opressores políticos do povo?

Não nos iludamos. O que está em causa é a (in)justiça distributiva. O motorista foge à portagem porque o Estado lhe cobra sem lhe dar. E quando o Estado não dá, mas exige, ele se transforma em extorsionário com distintivo.

Numa circunstância similar, Nelson Mandela, com pesar, diria que “Quando os filhos do povo se tornam carrascos do próprio povo, denuncia que falhámos”. A liberdade que conquistámos foi capturada pelos que hoje fingem defendê-la, enquanto fazem pontaria aos que a sonharam, um sintoma do Estado-Partido: um regime que exige obediência mas não presta contas.

A Polícia deve servir o povo e não os interesses dos que se instalaram no poder económico através do empobrecimento da plebe. Essa bala disparada no chapa atravessou todos nós. Somos todos reféns de uma autoridade que, em vez de proteger, persegue. Hoje foi aquele passageiro. Amanhã, posso ser eu. Ou você.

Paulo Freire ensina que “Educar é libertar da opressão”. Mas aqui educa-se para o medo. Formam-se polícias como autómatos do sistema, não como cidadãos armados de ética. A pedagogia da bala deve ser substituída.

Sabemos que, em tom académico, o politólogo Jaime Macuane tem a dizer que “Este evento é revelador de uma erosão profunda da confiança entre o Estado e os cidadãos”. Não se trata de um incidente isolado, mas de um padrão: uso excessivo da força, impunidade e ausência de responsabilização.”

Quantas vezes mais jornalistas como Estácio Valoi terão de escrever sobre a impunidade armada neste país?

Esta não é uma polícia – é uma matilha solta a mando do silêncio conveniente e na melhor hipótese é um bando de vampiros. E enquanto houver silêncio, continuará o fogo.

Enquanto o passageiro baleado sangra e a estrada permanece bloqueada, o Comando-Geral ensaia a costumeira e desafinada promessa de investigar, para ao fim e ao cabo trazer à ribalta a teoria de “bala perdida”, sem indemnização nenhuma.

E enquanto o povo bloqueia a estrada, não por gostar de desordem, mas por cansaço de ser ignorado, alguém em Maputo brinda com uísque importado, regozijando-se com os dividendos da nova concessão de portagens.

Enquanto a fúria do povo se mantém acesa, a vida, por aqui, continua barata — e quem a regula tem sempre o dedo no gatilho e a alma em saldo.

Com o eco de Cistac, sabemos que “A independência não é apenas a conquista de um território. É, antes de tudo, a emancipação das consciências”. Porém, em Moçambique, a consciência dos cidadãos vem sendo alvejada impunemente.

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