Foi com extrema apreensão e profunda preocupação que a Ordem dos Advogados de Moçambique e a própria Classe, tomaram conhecimento da bárbara agressão sofrida pelo Presidente do Conselho Provincial do Niassa, da Ordem dos Advogados de Moçambique, o Ilustre Advogado e Colega Dr. Celso Mendonça Diogo, agredido e ameaçado de morte por elementos da PRM – Polícia da República de Moçambique no Distrito de Mecanhelas, Província do Niassa, no dia 31 de Outubro de 2024, quando se encontrava no exercício das suas funções de Advogado. Na verdade, o Colega Advogado e Presidente do Conselho Provincial do Niassa, da Ordem dos Advogados de Moçambique deslocou-se à Mecanhelas para o seguinte:
- Proceder com a auscultação às instituições de sistema de administração da justiça, sobre o seguimento do caso de baleamento de 6 (seis) manifestantes, ocorrido no dia 25 de Outubro do corrente ano;
- Prestar assistência aos cidadãos envolvidos na manifestação, eventualmente detidos em conexão com as aludidas manifestações e fiscalizar e salvaguardar o respeito pelos direitos humanos;
- Reunir com os colegas do Distrito de Cuamba, para dar o devido seguimento aos casos identificados.
No decurso da auscultação das vítimas de baleamento, o Ilustre Colega recebeu informações segundo as quais tinham sido detidos 6 (seis) manifestantes. Prontamente o Advogado fez-se presente na Procuradoria tendo encetado diligências necessárias para a imediata restituição da liberdade dos referidos cidadãos, o que veio a ocorrer por volta das 17h30 (dezassete horas e trinta minutos) do mesmo dia 31 de Outubro de 2024.
Uma vez em liberdade, para o espanto do Advogado e em total afronta à ordem judicial, os manifestantes voltaram a ser detidos pela polícia sob a alegação de que um outro grupo de manifestantes pretendia assaltar o Comando da PRM e aqueles poderiam supostamente reforçar o grupo. O Director da Ordem, do Comando Provincial da PRM, que se fazia ao local, deu ordem para a libertação dos mesmos por volta das 18h30 (dezoito horas e trinta minutos) e solicitou que o Advogado acalmasse as vítimas, pois a reivindicação dos mesmos (libertação) já havia sido atendida.
Ocorre que quando o Ilustre Colega se fez à via pública, com o objectivo de acalmar os ânimos dos manifestantes (totalmente exaltados), cerca de 300m (trezentos metros) do comando distrital, o Advogado, acompanhado dos 6 (seis) manifestantes ora restituídos a liberdade, foi interpelado por uma viatura da PRM, de marca Mahindra, onde desceram da mesma 6 (seis) membros da PRM e com recurso à força introduziram o Advogado na viatura e começaram a agredi-lo física e brutalmente. Acto contínuo, a viatura da PRM dirigiu-se ao Comando onde durante o percurso as agressões ao Advogado foram se intensificando até ao comando, onde, depois, no local as agressões prosseguiram.
Importa frisar, porque absolutamente relevante, que os agentes da Polícia afirmaram, expressa e categoricamente, que o Advogado não sairia dali com vida. Só apenas com a intervenção do Director da Ordem é que os agressores – Polícias – se dispersaram, ainda assim, estes continuaram a manifestar abertamente a vontade de pôr termo a vida do Advogado, porque segundo os mesmos, estava a defender malfeitores que atentavam contra as suas vidas e das suas famílias.
A brutalidade policial que se tem vindo a assistir ultimamente contra cidadãos no geral e agora contra Advogados é um acto atentatório os mais elementares direitos do Estado de Direito Democrático, sendo que a violência exercida, ainda para mais praticados por uma Força Policial que tem o dever supremo de proteger, é uma clara violação dos direitos e prerrogativas funcionais do advogado, constitucionalmente consagradas e legalmente protegidas, pois interferem na independência necessária para que o mesmo exerça as suas funções livremente como advogado e ainda, desrespeitam a sua dignidade como pessoa humana.
Não nos podemos esquecer o que estabelece o art. 52.º n.º 5 dos Estatutos da Ordem dos Advogados de Moçambique (“EOAM”), “(…) O mandato judicial, a representação e assistência por advogado ou advogado estagiário são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de situações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza (…)”, e ainda, o que refere o art. 55.º dos EOAM, “(…) Os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar actos próprios da advocacia (…)”.
Este tipo de situações brutais e intimidatórias não podem de forma alguma ficar impunes, sob pena de passar a existir uma “normalidade” (inadmissível) em relação a este tipo de ataques, que mais não são do que ataques às prerrogativas daquilo que o advogado como profissional do direito em defesa do sacrossanto princípio da justiça, defende, e em último caso, uma clara afronta à própria sociedade, colocando em risco a própria democracia. Não nos podemos esquecer que foi justamente na busca da concretização desse princípio constitucional que surgiram as prerrogativas dos advogados, com o objectivo de assegurar não apenas o exercício da sua profissão, mas também a defesa daqueles que defendem o pilar constitucional da democracia: o respeito ao devido processo legal e às prerrogativas dos seus agentes funcionais essenciais: os advogados.
Reafirmamos o nosso compromisso com a defesa dos direitos dos advogados e dos cidadãos no geral, e reiteramos que actos de brutalidade e intimidatórios, como o ocorrido, não serão tolerados nem admitidos. Tal como está em curso em relação ao assassinato do Dr. Elvino Bernardo António Dias, a Ordem dos Advogados de Moçambique irá constituir-se em assistente no processo de agressão e ameaças à morte sofridas pelo colega Dr. Celso Mendonça Diogo, com a instauração do processo-crime e cível, para a responsabilização dos autores deste acto macabro bem como do Estado Moçambicano. Já estão identificados parte dos polícias agressores e as acções para a sua responsabilização estão em curso, incluindo administrativamente. É tempo de dizer BASTA.
Vamos enfrentar os problemas das prerrogativas dos advogados com coragem e vontade. Sabemos como é difícil cumprir essas mesmas prerrogativas quando o sistema democrático está em manifesto abalo e ataque, caminhando para o autoritarismo. A Ordem dos Advogados de Moçambique seguirá incansável a sua luta permanente pela justiça e pelo respeito ao exercício da advocacia, sendo que os responsáveis desta agressão, incluindo o Estado, serão devidamente processados em foro próprio. Nós somos os actores destes novos tempos, em que a verdade deve prevalecer.