Por Josué Bila
Há uma onda social, que me parece popularizar-se por estes dias em que o povo anda com a crença de que está no poder, de se desacreditar os académicos e intelectuais, por, alegadamente, serem inúteis nas suas pressuposições e proposições. Os académicos e intelectuais são, ainda, desacreditados por alegada aliança estomacal com o partido no Poder.
Concordo, em certa medida, sem deixar de pontuar alguns poréns.
O que, ainda, não vi, na tribuna de avaliação pública (redes sociais, principalmente), é: que é um académico ou intelectual? Por que se assume, imediatamente, que ; académico é intelectual? Que é um intelectual, a partir de que escolas de pensamento ou a partir de que realidades sociais? Os académicos até aqui avaliados (nas redes sociais) representam o todo dos modelos sociais, teóricos, metodológicos do universo total dos
académicos? Quantos académicos Moçambique regista? De todos académicos moçambicanos, quantos, cujos comportamentos (não) fazem jus ao título que ostentam? Será que, em cada dez académicos, sete, por exemplo, são tagarelas e beija-mãos dos opressores? Todo académico ou intelectual é um beija-mão?
Intelectuais em todos os tempos em África
Em virtude da falta de uma definição que abarque pensadores locais (para a categorização, por exemplo), perdemos de vista que os intelectuais, por exemplo, não podem ser apenas atrelados à institucionalização europeia, trazida por meio da violência colonial, mas também o continente africano, enquanto o chamado
velho continente; não tinha significado, já se tinha erguido na sistematização de modelos políticos, jurídicos e económicos – e esse também foi o papel de intelectuais e académicos, os quais eram encontrados no Antigo Egipto e onde é localizado o atual Sudão, Etiópia e África Ocidental – tomemos Tombuctu, por exemplo. Dito de outra forma: quando generalizamos nas acusações pejorativas contra intelectuais e académicos, perdemos de vista que, antes da violência colonial, a qual produziu intelectuais e académicos pretos para a manutenção do Poder, as comunidades sempre tiveram os seus cultores e intelectuais, os quais trabalhavam nos governos africanos pré- coloniais. Antigos reinos e impérios africanos não poderiam ter se erguido, com aquela imponência, sem os intelectuais – e académicos, em alguns casos.
Aliás, parte daqueles que organizaram a ideologia da luta contra o colonialismo, antes dos movimentos de
libertação, eram intelectuais locais. Até porque o intelectual, a partir do caso Dreyfus, na França (séculos 19 a 20), é aquele que também luta pela justiça. Por assim dizer, uma coisa é criticar os beija-mãos, tidos como académicos e intelectuais. Outra, é construir narrativas críticas, que esgotam a relevância dos intelectuais e académicos. Temos de evitar que jovens da geração “Este País é nosso. Salve Moçambique” não se desencantem dos sonhos de lutar por um espaço na academia e na vida intelectual. Nem todos lutarão pelos seus direitos na rua; há aqueles que podem lutar através da caneta académica e lápis intelectual.
Académicos anónimos
Sei que os momentos de crise política e de exaustão social produzem solidariedade entre os oprimidos ou povo, este também com porta-vozes unidirecionais. É um jeito de
propor que o povo também é constituído por diferenças propositivas, e isso pouco é
respeitado, pelos olheiros do Salve Moçambique;.
Entretanto, não podemos, em nome da solidariedade dos oprimidos, esquecer que talvez a maioria dos académicos e intelectuais anónimos não estejam nem de longe e nem perto a colaborar com os pressupostos e proposições dos académicos famosos, os quais têm o privilégio (não estou a falar de direito. Estou a falar de privilégio) de encher os órgãos de comunicação social com o seu pensar.
É muitíssimo provável que os académicos e intelectuais anónimos não apareçam nos órgãos de comunicação social, por, alegadamente, os jornalistas preferirem a mesmice famosa de alguns académicos e intelectuais. A nossa imprensa pública e privada poderia ser questionada sobre essa reprodução da mesmice do pensamento político, segundo a qual a sociedade moçambicana mais precisa de diálogo e menos de verdade e justiça eleitorais. No geral, os jornalistas fazem pouca busca sobre o que os académicos
pesquisam, para, a partir disso, fazerem uma pauta. Assim, os jornalistas fazem o que é fácil.
Quase sempre buscam a mesmice académica ou intelectual, pois aquela dificilmente nega uma entrevista, alegando desconhecer o assunto em pauta. E temos de reconhecer: um académico ou intelectual que, frequentemente, aceita dar entrevistas, fatalmente cairá no descrédito por desgastes argumentativos ou, ainda, por descambar na patologia da verbomania. Talvez a reclamação, nas redes sociais, poderia especificar que está contra os académicos e intelectuais da verbomania política.
Seja como for, o ; percebe essa tagarelice que se oferece a dar respostas ou a ir a debates, sem o conhecimento profundo da sociedade na qual está inserida. Negam, consequentemente, que a sociedade tenha uma elevada consciência política. Eu mesmo, não sendo nem académico e nem intelectual, estou surpreendido com o que pressupõe o slogan Este País é nosso.; É um clamor político-social pela República e pelo Estado de Direito, ainda que esse desejo precise de sistematização de académicos e intelectuais,
em decorrência da maneira como o nosso Estado está organizado e, igualmente, como a nossa sociedade está estruturada.
É preciso que se saiba distinguir os académicos, ligados ao Poder opressor, com privilégios de estar nos órgãos de comunicação social, dos académicos, cujas actividades contribuem substancialmente para este Moçambique.
Dívida aos académicos
Não esqueçamos de que todos nós somos frutos de esforços de académicos e intelectuais, cujas aulas e escritos desperta(ra)m em nós o sentido de cidadania, e parte dos direitos humanos de que gozamos e temos consciência são os académicos e intelectuais anónimos que cimentaram. Os activistas emergentes dos direitos humanos são proibidos de, por exemplo, instigar o povo a generalizar as críticas contra
académicos e intelectuais. Somos frutos de muitos académicos e intelectuais, cuja inspiração é demovível. Este Moçambique é pensado há muitíssimo por pessoas, das quais, a maioria de nós não tem memória nem oral e nem escrita. Por isso, mantenhamos a nossa luta por dignidade humana, república, oportunidades para todos, direitos humanos e cidadania. Não permitamos que um grupo seleccionado a dedo, para preencher espaços nobres nos órgãos de comunicação social nos capturem com os seus delírios anti-republicanos e monopartidários.
Portanto, é nosso dever existencial lembrar que nem todo académico e intelectual está perdido, nas ambições desmedidas. E são a maioria! Ainda, há muito académico e intelectual sensato em Moçambique, dispostos a contribuir na República, democracia e justiça social. (Moz24h)