Maputo – 29 de Maio de 2025 – O clima político em Moçambique aqueceu nesta última semana de maio, com dois acontecimentos marcantes que abalam a narrativa de um governo inclusivo prometido pelo Presidente Daniel Chapo. De um lado, a denúncia pública do Consórcio Mais Integridade sobre a exclusão da sociedade civil no processo do Diálogo Nacional Inclusivo; do outro, a violenta intervenção da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) na sede da RENAMO, criticada por Venâncio Mondlane como a “última humilhação” infligida à histórica força da oposição.
Sociedade Civil Excluída de Processo Nacional
Num comunicado a que o Moz24h teve acesso, o Consórcio Mais Integridade – plataforma composta por sete organizações da sociedade civil moçambicana – exigiu explicações urgentes sobre a ausência de representantes civis na Comissão Técnica do Diálogo Nacional Inclusivo. Apesar de os Termos de Referência assinados a 5 de março de 2025 preverem a inclusão de três representantes da sociedade civil, até hoje não há qualquer nome indicado, nem clareza sobre os critérios de selecção.
O Consórcio denuncia incoerências entre os documentos legais aprovados após os termos iniciais, que passaram a prever que os três representantes sejam indicados por convite e consenso interno, sem abertura de concurso público. “A escolha por convite pode viciar o processo e afastar especialistas com real experiência nas matérias em debate, como reforma constitucional, governação descentralizada e administração da justiça”, alerta o comunicado.
A plataforma exige a revisão da Lei n.º 1/2025 e do Decreto n.º 17/2025, propondo um modelo de concurso público transparente para garantir integridade e representatividade. Para o Mais Integridade, a exclusão enfraquece os objetivos do diálogo nacional e compromete a credibilidade de um governo que prometeu transparência e inclusão.
Venâncio Mondlane: “A RENAMO foi humilhada diante do país inteiro”
Paralelamente, em uma transmissão ao vivo realizada da Noruega, onde participa do Oslo Freedom Forum, o ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane denunciou a atuação da UIR na sede nacional da RENAMO, classificando-a como “a última humilhação” de uma força que foi pilar da transição democrática no país.
“É uma vergonha de todo o tamanho. Foi aceitar ou mandar as botas da UIR pisarem, humilharem e cuspirem sobre a lápide da memória de Afonso Dhlakama”, disse Mondlane, que tentou concorrer à liderança da RENAMO em 2024, mas foi impedido pelas estruturas internas do partido.
A sede, que estava ocupada por ex-guerrilheiros descontentes com a liderança de Ossufo Momade, foi tomada pela polícia com uso de gás lacrimogéneo e tiros, deixando pelo menos um ferido. Mondlane acusou membros da direção da RENAMO de solicitarem o ataque à sede com aval da FRELIMO. “Querem continuar como líderes da RENAMO depois de pedirem esse ataque? Isso não é digno de quem se diz representante da democracia.”
Mondlane também lançou críticas aos “renamistas de gema” por sua omissão diante da crise interna do partido. “Nada dizem, estão calados. E se fazem alguma coisa, fazem escondidos e de forma covarde. Deveriam aparecer agora, a levantar o espírito da RENAMO, a salvar o partido”, desafiou.
A convergência desses dois episódios – exclusão deliberada da sociedade civil no processo de diálogo nacional e repressão policial à oposição – expõe uma crise mais profunda na jovem democracia moçambicana. Daniel Chapo, que prometeu durante sua investidura um governo de escuta, reconciliação e inclusão, vê sua imagem cada vez mais associada a práticas de exclusão, centralismo e autoritarismo.
Críticos afirmam que os gestos do governo atual revelam um padrão: enfraquecimento dos espaços de participação cívica, cooptação de instituições públicas, repressão a vozes dissidentes e favorecimento de elites políticas e militares alinhadas ao poder.
As vozes da sociedade civil e de ex-dirigentes políticos como Venâncio Mondlane alertam para o risco de o Diálogo Nacional se transformar em mais uma manobra simbólica sem impacto real. Sem representatividade, sem escuta verdadeira e com repressão violenta contra opositores, Moçambique caminha perigosamente rumo à deterioração dos princípios básicos da democracia participativa.
A história recente do país mostra que a exclusão e a repressão nunca foram caminho para a paz duradoura. Se quiser resgatar a confiança do povo e avançar com reformas estruturantes, o governo de Daniel Chapo terá de escolher entre o discurso vazio e a prática democrática autêntica. Por enquanto, os sinais são de que a promessa de um “governo para todos” foi apenas retórica de posse. (Moz24h)