Sociedade

Lei da Comunicação levanta suspeitas de censura e ameaça liberdade de imprensa em Moçambique

 

Por Quinton Nicuete

A nova proposta de lei da comunicação em Moçambique, embora apresentada como uma tentativa de modernizar o setor, tem gerado forte preocupação entre jornalistas e especialistas. A legislação, segundo críticos, contém definições ambíguas e dispositivos que podem pôr em causa a liberdade de imprensa, a independência dos jornalistas e o direito do público a informação transparente.

A lei impõe limites que podem dificultar ou mesmo criminalizar o jornalismo investigativo. Por exemplo, o Artigo 5, números 2 e 3, combinado com a alínea q) do Glossário, proíbe que jornalistas obtenham informações por “meio ilícito ou desleal”, incluindo desvios de documentos e escutas não autorizadas. Embora a intenção de combater práticas ilegais seja legítima, esta redação abre espaço para que métodos essenciais de investigação sejam punidos.

Além disso, o Artigo 45, n.º 4, prevê que jornalistas e órgãos de comunicação podem ser responsabilizados criminalmente pelo teor de declarações reproduzidas de terceiros, mesmo que as fontes estejam identificadas. Este ponto cria um efeito de autocensura, desencorajando a publicação de denúncias e prejudicando o debate público.

Termos vagos como “salvaguardar a objetividade, o rigor e a isenção da informação” e “defender o interesse público”, presentes no Artigo 5, podem ser usados para justificar sanções contra órgãos que publiquem notícias críticas, ainda que verdadeiras.

A criação da Autoridade Reguladora da Comunicação Social (ARCOS) é outro ponto polémico. A instituição terá poderes de regulação, supervisão, fiscalização e sanção sobre todos os meios de comunicação, incluindo plataformas digitais, conforme os Artigos 7 e 28. Este controlo massivo abre espaço para abusos, podendo a ARCOS suspender registos de órgãos sob alegação de “falta de veracidade nos dados”, silenciando vozes dissidentes.

O processo de registo e renovação, a cada cinco anos, também é visto como um instrumento de pressão sobre os órgãos críticos, podendo pôr em risco a continuidade de sua operação.

A lei ainda limita a nacionalidade e a propriedade de órgãos de comunicação, exigindo que diretores sejam moçambicanos e restringindo o capital estrangeiro a 30%. Estas medidas podem reduzir o investimento externo e a entrada de profissionais experientes, prejudicando a competitividade e o crescimento do setor.

Outro ponto controverso é o Artigo 36, n.º 2, que obriga rádios e televisões a transmitir em direto as mensagens do Presidente da República. Embora aparentemente inofensivo, críticos interpretam como uma forma de propaganda obrigatória, ferindo a independência editorial dos meios, especialmente os privados.

Especialistas e jornalistas alertam que, se aprovada nos termos atuais, a lei poderá transformar-se numa ferramenta de censura e controlo da informação, minando os avanços alcançados em liberdade de imprensa em Moçambique. A necessidade de clareza, limites bem definidos e salvaguardas para o jornalismo crítico é urgente, antes que a legislação se transforme num obstáculo à transparência e à democracia. Moz24h

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