Por Tiago J.B. Paqueliua
Um pescador de Macomia, com pouco mais de 30 anos, foi morto a 14 de Agosto nas margens do rio Messalo, em Miangaleua, Muidumbe. Segundo a Cartamoz (18/08/2025), regressava da faina quando foi alvejado por terroristas que continuam a circular livremente, enquanto a EN380 permanecia bloqueada.
Ironia amarga: o mesmo Messalo onde se escondem lanchas usadas pelos insurgentes inclusivé a que serviu no ataque a um navio Russo — muitas delas antes entregues a pescadores como “responsabilidade social” das empresas extrativas. Pergunta-se: como é que a Marinha não patrulha um rio de escassos quilómetros navegável?
COMENTÁRIO
A morte deste homem não é um acaso, é um sintoma: desde 2017 Cabo Delgado é palco de um conflito que expõe a falência do Estado em proteger a sua própria população. As promessas oficiais de segurança e normalização não passam de discursos para relatórios e conferências.
Enquanto multinacionais exploram gás e recursos estratégicos, pescadores e camponeses são deixados à sua sorte, sem segurança, saúde ou educação. Cada cadáver anónimo enterra, com ele, a própria ideia de soberania. É o que Mbembe chama de necropolítica: um poder que decide quem pode viver e quem pode ser deixado para morrer.
O enterro só acontece dias depois, com escoltas improvisadas. A morte violenta tornou-se rotina. O Estado mostra-se célere na defesa de contratos e acionistas, mas lento, quase imóvel, na defesa do direito à vida do seu povo.
Cabo Delgado exige dignidade e justiça, mas recebe silêncio e relatórios.
O rio Messalo segue correndo, indiferente, levando sangue e memórias de mais um pescador invisível para o Estado. Enquanto isso, nos Palácios, ecoam discursos inflamados, promessas de reconstrução e anúncios de “grandes vitórias”. Na prática? Reconstrução de papel, segurança improvisada, desenvolvimento reservado às petrolíferas.
É o paradoxo moçambicano: libertos de um império, incapazes de conter bandos de kalashnikov. São terroristas, mas não deixam de ser apenas espelhos da nossa própria fragilidade.
Quantos pescadores mais terão de morrer? Ou já não estamos perante um sono do Estado, mas um coma induzido pelos interesses que preferem o silêncio?
E assim, registamos mais uma tragédia repetida — a morte de quem vive do rio, mas morre à sua margem, sob a bênção cínica da ausência estatal.