Por Tiago J.B. Paqueliua
A recente denúncia veiculada pelo Canal Independente Evidências, datada de 3 de Junho de 2025, revelando alegações gravíssimas de abuso sexual perpetrado por um professor da Escola Portuguesa de Maputo (EPM) contra uma aluna de apenas 12 anos, deveria, em qualquer democracia funcional e Estado de Direito minimamente respeitável, desencadear um imediato e rigoroso processo de responsabilização criminal, administrativa e ética.
O que se assiste, porém, uma vez mais, é a persistente banalização da violência sexual, o encobrimento corporativo e a cumplicidade silenciosa de actores institucionais que, por omissão ou acção directa, perpetuam um sistema de impunidade estrutural e de reprodução de traumas.
Trata-se de um episódio que expõe não apenas a fragilidade dos mecanismos de protecção de menores em Moçambique, mas também a arrogância neocolonial e o desprezo pela dignidade humana por parte de instituições ditas de excelência, como é o caso da Escola Portuguesa de Maputo – uma extensão do sistema educativo luso, subsidiada e fiscalizada por Lisboa, que, neste caso, falhou fragorosamente em todos os parâmetros de ética, segurança e justiça.
A actuação da direcção da EPM, tal como descrita no relato da família da vítima, revela um padrão de condescendência e desresponsabilização inadmissível, que se agrava perante a ausência de medidas cautelares imediatas e da protecção da integridade física e emocional da menor.
A aparente indiferença, por parte da Direcção-Geral da EPM e das autoridades educativas portuguesas competentes, em instaurar inquéritos disciplinares e judiciais, é um sinal claro de que se optou por proteger a imagem institucional em detrimento dos direitos da criança. Essa atitude conivente, encapotada sob a capa do “devido processo”, configura uma espécie de pacto tácito com a violência.
Ainda mais alarmante é o silêncio ensurdecedor e a inoperância da Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR), que, tendo sido formalmente notificada, parece ter enterrado o processo num lamaçal de indiferença institucional, onde a justiça se transforma num favor político e não numa obrigação constitucional. Num país em que a corrupção é sistémica e a impunidade generalizada, a morosidade ou estagnação do caso não surpreende, mas indigna.
Estamos perante um caso que, se não for exemplarmente julgado, converter-se-á em mais um capítulo da cultura do encobrimento, normalizando práticas de predadores sexuais no seio de instituições educativas.
Igualmente questionável é o papel do colectivo de encarregados de educação da EPM, cuja passividade e ausência de pressão organizada reflectem um preocupante défice de cidadania activa e de consciência colectiva. A incapacidade ou indisponibilidade em exercer um verdadeiro controlo social sobre a direcção da escola e sobre os mecanismos internos de segurança e prevenção de abusos configura uma espécie de cumplicidade tácita e envergonhada – como se o silêncio fosse uma forma de auto-protecção perante o desconforto da verdade.
Conclusão
Portugal, como Estado de Direito e signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, tem responsabilidade directa neste caso. A Escola Portuguesa de Maputo opera em solo moçambicano, mas sob jurisdição e orientação do Ministério da Educação de Portugal, com financiamento público. A sua actuação ou omissão, neste caso, deve ser escrutinada por entidades como a Inspecção-Geral da Educação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Provedoria de Justiça portuguesa. O desinteresse ou o acobertamento institucional equivale a um falhanço ético e político grave do Estado português.
Num contexto em que Moçambique se vê asfixiado por redes de corrupção, abuso de poder e manipulação da justiça, este caso adquire contornos paradigmáticos. Não está apenas em causa a dignidade de uma criança, nem a honra de uma escola: está em causa o tipo de sociedade que se pretende construir.
Uma sociedade onde a protecção da infância é uma prioridade inegociável ou uma sociedade onde a normalização do abuso e a indiferença institucional são a regra.
Urge, pois, uma mobilização internacional e nacional para a responsabilização imediata do agressor, a demissão da direcção escolar, a abertura de um inquérito independente (com participação de organismos de defesa dos direitos humanos), e a actuação urgente das autoridades judiciais moçambicanas e portuguesas. O silêncio não pode continuar a ser cúmplice do crime.
Este escândalo interpela-nos a todos – pais, professores, juristas, jornalistas, cidadãos – e exige de cada um um compromisso inequívoco com a justiça, a memória e a dignidade das vítimas.