O espectro de violência generalizada e caos social paira no ar. A longa noite eleitoral de quarta-feira transformou várias autarquias em autênticos barris de pólvora prestes a explodir. Nas ruas e nas redes sociais, milhares de pessoas protestam contra a pior fraude em eleições autárquicas em Moçambique. O voto punitivo contra uma Frelimo insensível aos problemas do povo beneficiou a oposição (Renamo) em várias autarquias, incluindo Maputo e Matola. Mas a vitória do voto punitivo foi anulada nas secretárias dos órgãos eleitorais, em esquemas que incluem o desaparecimento de editais.
À medida que eram anunciados os resultados oficiais, aumentava a frustração de milhares de eleitores que viam o seu voto desvalorizado. Uma frustração que se vem juntar a tantas outras causadas por uma governação que segue alheia aos problemas da maioria. Os efeitos dessa frustração são imprevisíveis. Mas o risco de caos social é cada vez maior. Astuto, o Governo da Frelimo colocou a Polícia em alerta nas autarquias onde sabe que a vitória da Frelimo é ilegítima. Agentes de várias especialidades estão nas ruas com dedos no gatilho. E com canos apontados para cidadãos que exigem que a sua vontade expressa nas urnas seja respeitada.
Na capital Maputo, a segurança da Presidência da República foi reforçada. Com homens e meios. Um cenário que lembra a mobilização feita no funeral do rapper Azagaia. Viaturas blindadas equipadas com armas e homens da Casa Militar em posição em combate vigiavam a Presidência da República na tarde de sábado. Longe da Presidência, a caravana da Renamo liderada pelo cabeça-de-lista do partido (Venâncio Mondlane) percorria várias avenidas, reclamando vitória nas eleições de quarta-feira.
Quando se aproximava para a zona da elite, a caravana foi simplesmente barrada pela Polícia.
O mesmo Governo que se gaba de ter conduzido com sucesso o processo de paz, incluindo a desmilitarização e desmobilização dos antigos guerrilheiros da Renamo, parece estar a investir na criação de condições para a eclosão de um novo conflito. A escalada de repressões violentas contra cidadãos indefesos que reclamam pela justiça eleitoral e a mobilização jamais vista de polícias reforça a leitura de um Governo que quer instalar um caos social no País com objectivos inconfessos. Eliminar a oposição política? Asfixiar os direitos e as liberdades dos cidadãos? Esvaziar a democracia? Usar o caos social como fundamento para adiar as eleições gerais de 2024 e permanecer no poder? São apenas perguntas para reflexão?
Seja como for, a instrumentalização de forças de segurança para servir interesses partidários, a
institucionalização da violência do Estado como mecanismo de defesa de interesses políticos, violando gravemente os direitos e as liberdades dos cidadãos, poderá ter consequências desastrosas, como a radicalização do discurso contestatário e o surgimento de mártires políticos com forte poder de mobilização de jovens ansiosos pelas mudanças. E num contexto em que Moçambique enfrenta o extremismo violento em Cabo Delgado, o descontentamento generalizado aumenta a vulnerabilidade de jovens ao recrutamento.
Ao contrário da narrativa dos órgãos eleitorais e do partido no poder segunda a qual as eleições constituem um momento de festa, a realidade mostra que o processo eleitoral está a ser marcado por violência patrocinada pela Polícia da República de Moçambique (PRM). Em quase todas as 65 autarquias foram reportados casos de violação dos direitos humanos dos cidadãos, que incluem assassinatos, baleamentos, detenções ilegais e limitação do direito à livre circulação e à manifestação pacífica. As vítimas sempre foram os de costume: membros da oposição, preferencialmente os da Renamo. Caso para dizer que as eleições em Moçambique são um momento de festa para a Frelimo, mas de sangue e luto para a oposição.
A actuação da PRM foi sempre no sentido de reprimir violentamente quaisquer manifestações da oposição, poupando os membros e simpatizantes da Frelimo que fizesse o mesmo exercício. Foi o que se assistiu na longa noite eleitoral de quarta-feira, quando caravanas da Frelimo saíram à rua para festejar vitória nas autarquias de Mussoril e Ilha de Moçambique, antes mesmo do pronunciamento dos órgãos eleitorais locais. A PRM esteve por perto para proteger os membros e simpatizantes do partido no poder, e não houve disparos de gás lacrimogénio e armas de fogo.
https://fb.watch/nHO45SGpsV/
Estado e Estado da Criminalizacao
……No estudo denominado violência do Estado e Segurança Publica em Moçambique pos independência, onde foram inquiridos 30 agentes policiais, 80% responderam que a tortura é ensinada no processo de formação dos policiais, ou seja, durante o treinamento. Já os recrutas são desnecessariamente punidos, maltratados e violentados pelos seus instrutores o que fica inscrito no formando como componente de instrução e a ter em conta no exercício da profissão policial. Os restantes 20% afirmaram que embora sejam sempre advertidos a respeitar a componente dos direitos humanos na sua atuação, isso fica nulo porquanto o que fica no seu imaginário é sempre a experiência passada no campo de treinos”
Por sua vez o Estado, por intermédio da polícia e ignorando políticas públicas eficazes que minimizariam problemas da população desfavorecida, utiliza a violência como meio para silenciar essas tensões sociais. Sobre
esse caráter violento do Estado Moçambicano, Chaimite (2014, p.86) destaca que: “Tanto em 2008 como em 2010 e 2012, os protestos populares provocaram, numa primeira fase, uma acção de repressão por parte do governo, na tentativa de os abafar. Assim, a primeira reacção do governo foi de os considerar ilegais e mobilizar as forças policiais para repor a ordem pública”
https://www.redalyc.org/journal/3211/321161767026/html/
“Nesse processo de legitimação da violência se o Estado cria e implementa as leis ao serviço da justiça, então a violência utilizada no exercício da mesma será, também ela, tida como justa porque serve os interesses da sociedade. Quando a natureza ilegítima dos actos é posta em evidência, a segurança nacional surge, por norma, como último grande recurso de legitimação (BARBOSA, 2013, p. 14).” https://cjimoz.org/news/estado-e-estado-da-criminalizacao/