Por Quinton Nicuete
Num cenário marcado por deslocamentos forçados, violência armada e medo constante, meninas em zonas de conflito em Cabo Delgado enfrentam diariamente desafios inimagináveis para manter vivo o sonho de aprender. O som dos livros sendo folheados nas salas de aula foi substituído por disparos e pelo silêncio das escolas vazias.
A violência em Cabo Delgado não destruiu apenas estruturas físicas; dilacerou rotinas, desfez expectativas e semeou a insegurança no quotidiano de milhares de meninas. Em comunidades de reassentamento como Nancua, Marokani no distrito de Metuge e Cujupane e Taratara no distrito de Ancuabe, meninas relatam que ir à escola é, muitas vezes, um acto de coragem. Algumas tiveram de fugir no meio das aulas; outras simplesmente nunca mais regressaram.
A situação agrava-se ainda mais para as deslocadas. Nos centros de reassentamento, o acesso ao ensino é escasso, a instabilidade continua e o preconceito social acompanha-as. Em meio à pobreza extrema, muitas são levadas a abandonar os estudos ou a contrair matrimónios precoces por falta de oportunidades e apoio.
De acordo com o UNICEF, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas foram afetadas pelo conflito em Cabo Delgado, e 60% dos deslocados internos são crianças. Muitas destas enfrentam interrupções graves na educação e estão expostas ao risco de recrutamento por grupos armados. A Save the Children tem alertado que, sem uma resposta imediata, o futuro de milhares de jovens estará em perigo.
A UNESCO defende que a educação em contextos de crise deve ser uma prioridade para garantir proteção, inclusão e progresso. Apesar das dificuldades, surgem sinais de esperança. Algumas aldeias, com o auxílio de ONGs e professores voluntários, conseguiram estabelecer espaços improvisados para ensino. No entanto, a escassez de materiais, a insegurança alimentar e a ausência de proteção comprometem diariamente esses esforços.
Jovens afectadas e líderes locais, que denunciam a falta de políticas concretas e clamam por uma intervenção mais firme.
Em entrevista ao Moz24h, a jovem Safira (nome fictício), de 14 anos, refugiada em Metuge, conta: “Fugi de Mocímboa da Praia quando os terroristas mataram meu pai. Estudei até a 6ª classe. Aqui não tenho uniforme, nem cadernos, mas sonho voltar à escola.”
Essa ausência de estrutura escolar tem favorecido o aumento dos casamentos e da gravidez precoce. Segundo dados do Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC) e da Save the Children (2023), o número de meninas casadas antes dos 18 anos cresceu de forma alarmante nas regiões afectadas pela violência armada. A escola, antes escudo, tornou-se uma lembrança distante para muitas.
“É como se o futuro lhes tivesse sido arrancado”, lamenta Alice Macamo, ativista social.
“Educar meninas em Cabo Delgado não é apenas um objetivo, é um acto de resistência. Mesmo sob ameaça, é preciso garantir que o caderno e o lápis permaneçam nas suas mãos,” acrescenta.
Apesar das adversidades, educadores e famílias têm encontrado formas alternativas de garantir alguma aprendizagem. “Damos aulas debaixo de árvores, porque a escola foi destruída”, relata um professor na comunidade reassentada de Cujupane, em Ancuabe. A maioria dos estudantes são meninas que, mesmo traumatizadas, continuam empenhadas em estudar.
Organizações como UNICEF e UNESCO têm colaborado com iniciativas locais, fornecendo apoio para programas de educação de emergência, embora o alcance ainda seja limitado.
As autoridades reconhecem a crise, mas a resposta institucional continua aquém. Em entrevista, o director da Educação no distrito de Ancuabe, Alberto Magune, reconhece os esforços locais e os desafios persistentes: “Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para ajudar as escolas e os alunos. Mas é fundamental mais apoio nacional e internacional para garantir educação segura. A nossa meta é restaurar a dignidade das nossas crianças.”
O Moz24h tem feito artigos de reportagens a denunciar violências e dar voz às meninas silenciadas pela guerra.
Em Cabo Delgado, cada menina que insiste em aprender é símbolo de resiliência. Promover o acesso à educação nestas regiões não é apenas assegurar um direito, é preparar mães futuras com capacidade crítica, autonomia e voz ativa. A urgência não está apenas em proteger os edifícios escolares, mas em garantir que os sonhos que eles abrigam não sejam destruídos.
Porque cada menina que regressa à sala de aula, mesmo em meio ao caos, ajuda a reconstruir um Moçambique mais justo e com esperança renovada. (Moz24h)
