Por Estacio Valoi
Caso inédito de propriedade intelectual em Moçambique levanta questões sobre o sistema judicial e o poder das multinacionais.
Um caso emblemático de alegada violação de propriedade intelectual por parte da empresa multinacional Cervejas de Moçambique (CDM) encontra-se a decorrer na Quinta Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. A disputa judicial opõe um jovem criativo moçambicano à gigante do sector cervejeiro, acusada de se apropriar indevidamente de uma proposta de projecto enviada por email à sua direcção de marketing. Sem qualquer resposta formal ou contrato celebrado, a empresa teria usado elementos essenciais dessa proposta em uma campanha publicitária para a sua cerveja mais popular: a 2M.
O processo gira em torno do lançamento de três edições limitadas da lata da 2M — Way da Praia, Way e Way da Banga — promovidas pela CDM. Segundo apurou a nossa reportagem, duas dessas latas continham o uso proeminente da cor azul, um dos principais detalhes apresentados na proposta originalmente submetida à empresa por um jovem criativo que agora recorre aos tribunais. E para piorar o Slogam “Melhor do Mundo” da 2M foi também plagiada da proposta enviada.
“Enviei o projecto por email, com esperança de colaboração, mas nunca obtive resposta. Mais tarde, fiquei surpreso ao ver elementos da minha proposta nas latas da campanha, e na publicidade em voga (Melhor do Mundo) Isso não foi coincidência, foi plágio foi apropriação, Eu não tinha muitos recursos, mas tinha uma ideia forte. Achei que a CDM, por ser uma empresa com visibilidade nacional, poderia acolher a proposta. Isso é desrespeito afirma o criativo, que preferiu manter o anonimato por razões de segurança. Ele é representado legalmente pelo conhecido Advogado e defensor de direitos humanos, Dr. Custódio Duma.
Segundo Duma “Este é um caso emblemático para o fortalecimento da protecção da propriedade intelectual em Moçambique. Mais do que uma disputa entre um jovem criador e uma grande empresa, está em causa a afirmação de princípios legais fundamentais e a capacidade das instituições de garantir confiança e previsibilidade no sistema de justiça. Esperamos que a justiça seja feita.”
Em contacto com uma fonte Judicial em anonimato o Moz24h teve conhecimento que de facto a um processo em andamento. “O processo existe, sim. (Acção Ordinária n.47/2023/T) Está em andamento, mas, como muitos outros que são pela sua natureza complexos e que envolvem grandes interesses, está a caminhar devagar. Muito devagar” .
Justiça a passo lento
Este deve ser um dos primeiros casos em Moçambique envolvendo uma acusação de uso indevido de propriedade intelectual contra uma empresa multinacional, o que confere ao processo um peso simbólico e jurídico inédito. Contudo, o andamento do caso tem sido marcado pela lentidão,o que desperta suspeitas sobre o tratamento diferenciado que o sistema judicial pode estar a conceder a grandes corporações.
A morosidade do sistema de justiça moçambicano já é conhecida, mas quando envolve interesses de grandes empresas, a demora ganha contornos mais preocupantes. Observadores jurídicos e defensores de propriedade intelectual temem que o precedente criado neste caso possa desencorajar a criatividade jovem e contribuir para um ambiente de impunidade corporativa.
“O processo está moroso. Não há ainda uma posição clara do tribunal, mesmo havendo provas documentais, comunicações digitais e até correspondência cruzada entre as partes. É uma situação que, para além de injusta, desmotiva qualquer jovem que queira contribuir com ideias inovadoras neste país”, alerta uma fonte próxima ao caso.
Especialistas ouvidos pela nossa reportagem alertam que este caso é apenas a ponta do iceberg. A legislação moçambicana sobre propriedade intelectual, embora existente, carece de maior implementação e fiscalização. Pior: muitos jovens criadores sequer sabem que têm direitos legais sobre suas ideias.
“A ausência de um desfecho justo e transparente neste tipo de caso compromete a confiança no sistema de justiça e pode transmitir a mensagem de que o acesso equitativo à justiça depende da posição ou influência das partes, e não da força do direito. Isso fragiliza os fundamentos do Estado de Direito e desencoraja a defesa legítima dos direitos, sobretudo entre os mais vulneráveis.”Um julgamento que pode mudar tudo
O desfecho deste processo será um divisor de águas. Não apenas para o jovem criador em causa, mas para toda uma geração de talentos moçambicanos que buscam espaço e reconhecimento num mercado ainda dominado por grandes corporações. Também será um teste à integridade do sistema de justiça nacional: será ele capaz de resistir às pressões e decidir com base na verdade e na lei?
Enquanto isso, o jovem criativo espera. A sociedade observa. E a justiça, como de costume, caminha em passos pesados — quando deveria correr ao lado da verdade.
