Por Tiago J.B. Paqueliua
Sobre a Mudança de Nome do Estádio da Machava para “Estádio da Independência Nacional
Sua Excelência Senhor
Presidente da República de Moçambique
Excelência
Excelentíssimos Senhores
Membros do Conselho de Ministros da República de Moçambique
Excelências,
Com todo o respeito e espírito de cidadania crítica e construtiva, por este meio manifesto profunda preocupação e legítima discordância cívica, quanto à decisão anunciada pelo Senhor Presidente da República — baseada numa proposta do Conselho de Ministros — de renomear o Estádio da Machava como “Estádio da Independência Nacional”, decisão comunicada à nação pelo Jornal O País, edição de 25 de Junho de 2025.
1. Incostitucionalidade e Legalidade
Importa começar por afirmar com clareza e rigor jurídico:
O Estádio da Machava não é património do Estado central, mas sim da Empresa Pública Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) — entidade autónoma, com personalidade jurídica, autonomia administrativa e património próprio, conforme a Lei das Empresas Públicas (Lei n.º 3/2018, de 15 de Junho) e o Decreto n.º 10/2020, de 13 de Fevereiro.
Neste quadro:
O Estado, mesmo sendo detentor do capital social dos CFM, não se confunde com a entidade gestora do património da empresa;
Logo, não deve decidir, sem o devido processo e consentimento da entidade detentora, sobre a renomeação de um activo físico sob sua jurisdição;
Trata-se, portanto, de um acto administrativo irregular, que viola o princípio da legalidade consagrado no artigo 4.º da Constituição da República.
2. Instrumentalização Político-Simbólica de Bens Alheios
Se o gesto presidencial pretendeu gravar “indelevelmente” um símbolo nacional, cumpre lembrar que a história não se eterniza por decreto, mas por reconhecimento colectivo, coerência institucional e respeito pelo valor dos factos.
O Estádio da Machava já é símbolo da independência nacional, não por nomear-se assim, mas porque foi o palco do acto fundacional da República, a 25 de Junho de 1975. O nome “Machava” já carrega essa história sem precisar de rebatismo. Mudá-lo agora soa a:
Revisão simbólica forçada, típica de regimes em busca de legitimação artificial;
Apropriação política tardia de uma narrativa nacional que já pertence ao povo, e não a um partido, governo ou ciclo específico;
Um acto que subverte o espírito da história ao domesticar a sua paisagem simbólica.
3. Filosofia do Nome e do Lugar: O que não se deve Mudar
A filosofia política e a estética pública ensinam que:
“As cidades que preservam os nomes originais dos seus monumentos não são mais fracas, mas mais sábias — pois sabem que a memória não é propriedade dos governos, mas da cidadania.”
O nome “Estádio da Machava” é uma âncora identitária, geográfica, histórica e emocional. Não é apenas um nome — é um lugar da memória colectiva, que transcende nomenclaturas políticas e guarda uma história que pertence a todos, incluindo aos que não se revêm na narrativa oficial dominante.
4. A Questão Ética e a Política Pública
A ética pública exige que os símbolos partilhados sejam tratados com respeito democrático, não como instrumentos de propaganda ou consagração de momentos. Esta decisão do Conselho de Ministros levanta várias questões éticas:
Por que alterar o nome de um bem sem consulta pública?
Com que legitimidade política e moral se apropria o Governo do nome de um local construído e mantido por outra entidade?
A quem interessa este gesto? À nação, ou à perpetuação de uma visão unívoca da História?
Na sua forma, conteúdo e oportunidade, esta medida é politicamente inócua, culturalmente disruptiva e juridicamente insustentável.
5. Uma Proposta Construtiva: Respeitar o que é de Todos
Se a intenção é homenagear o Dia da Independência com um símbolo duradouro, propomos:
Que se crie um novo espaço — museológico, memorial ou desportivo — com o nome de “Independência Nacional”;
Que o Estádio da Machava seja mantido com o seu nome histórico, preservando a memória sem manipulá-la;
Que o Governo consulte publicamente os cidadãos e as instituições relevantes (como os CFM), respeitando os processos participativos e legais.
Senhor Presidente, Senhores Ministros:
A História não se escreve com decretos unilaterais. Escreve-se com respeito pelas instituições, pela legalidade e pela memória plural dos povos.
Renomear o Estádio da Machava é uma violência simbólica contra a história comum e uma quebra da legalidade administrativa.
Não precisamos de reinventar a memória. Precisamos de respeitá-la.
Com respeito e firmeza cívica.