Sociedade

Droga, Corrupção e Fronteiras Porosas: Operação Policial em Nampula Expõe Redes Transnacionais e a Fragilidade Estatal

Por Tiago J.B. Paqueliua

Conforme Cartamz, 26/06/2025, uma operação conjunta entre o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) e a Polícia da República de Moçambique (PRM), iniciada a 9 de Junho no posto administrativo de Lunga, distrito de Mossuril, província de Nampula, resultou na detenção de onze indivíduos, incluindo cidadãos tanzanianos e dois funcionários públicos moçambicanos, suspeitos de envolvimento em tráfico internacional de droga.

Na acção em foco, foram apreendidos 60,93 quilogramas de substância entorpecente (cuja nomenclatura específica não foi revelada), uma viatura também sem especificação, vários aparelhos móveis e cartões bancários sem quantificação, indiciando possíveis ramificações de natureza financeira, logística e tecnológica na estrutura da rede.

Entre os detidos constam um comandante-adjunto da Polícia Lacustre e Fluvial, destacado no próprio posto administrativo de Lunga — epicentro da operação — e um funcionário do Conselho Municipal de Monapo, elementos cuja participação activa sugere infiltrações operacionais no aparelho estatal. Os nomes dos implicados não foram divulgados.

A porta-voz provincial do SERNIC, Ensina Tchinine, revelou que uma parte do produto estupefaciente terá sido retirada da viatura apreendida por membros da comunidade local, num acto espontâneo de invasão ao posto policial. A Polícia, até ao momento, não confirmou nem quantificou o volume exato da droga desviada, nem detalhou o tipo de estupefaciente, e muito menos os procedimentos internos violados, que permitiram o extravio de prova criminal crucial.

COMENTÁRIO

A ausência de informações precisas — número de estrangeiros envolvidos, identidade dos nacionais, tipo da viatura utilizada, origem e destino da droga, assim como a natureza da substância confiscada — compromete a integridade investigativa, judicial e jornalística, conduzindo a um terreno fértil para especulações, corrupção encoberta e desinformação institucionalizada.

A presente ocorrência transcende o mero relato policial, e revela sinais clínicos de erosão sistémica do Estado moçambicano, sob uma tríade crítica: a captura institucional, a trans-nacionalização da criminalidade, e a insustentabilidade do pacto ético entre governantes e governados.

A fuga de parte do produto apreendido — supostamente pela população — levanta sérias questões sobre o controlo interno das forças policiais, a ineficácia dos protocolos de preservação de prova penal, e a possível existência de conivências internas, destinadas à obstrução processual.

O silêncio quanto ao tipo de droga, à sua origem e via de entrada, impede um combate sério ao narcotráfico, e constitui, em si, uma ameaça à segurança nacional e regional.

A apropriação da droga por civis — no seio de uma população empobrecida, marginalizada e muitas vezes sem Estado — deve ser lida como um sintoma agudo de desespero económico, colapso do contrato social, e ausência de autoridade legítima.

Quando a polícia deixa de inspirar confiança e a justiça, é percebida como instrumento de elites ou facções, o povo torna-se juiz de ocasião, mesmo quando isso significa cooperar com o crime.

O envolvimento de agentes do Estado no circuito criminal constitui uma transgressão ontológica da função pública, que em repúblicas constitucionais, deveria pautar-se por “servir com lealdade à Nação”, conforme estabelece a Constituição da República de Moçambique. Tal violação exprime a banalidade do mal institucionalizado, onde o mal não se pratica com ideologia, mas com indiferença cúmplice e apatia moral.

A presença de cidadãos estrangeiros (neste caso, tanzanianos), aponta para uma rede regional de narcotráfico no corredor costeiro entre a Tanzânia, Moçambique e outros países do Índico, que aproveita fronteiras permeáveis, corrupção endémica e pobreza extrema, para operar com quase total impunidade, cenário este que acena para a urgente necessidade de cooperação interestatal, inteligência regional e políticas públicas preventivas.

Impõe-se uma refundação do sentido de Estado.

A ausência de responsabilização eficaz, alimenta uma cultura de impunidade moralmente corrosiva, onde as forças da ordem, tornam-se indistintas do crime que combatem.

Onde a droga some sob a guarda policial, a esperança democrática também desaparece silenciosamente.

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