Sociedade

Ajuda humanitária em Cabo Delgado: a generosidade da Coreia do Sul e os fantasmas dos desvios

⁠”Mais de 230 mil pessoas devem beneficiar-se de doação de arroz feita pela República da Coreia, mas persistem denúncias sobre desvios de produtos destinados às vítimas dos conflitos e desastres climáticos.”
Por Quinton Nicuete
Cabo Delgado, Moçambique – Numa altura em que milhares de famílias em Cabo Delgado continuam a enfrentar fome extrema e insegurança alimentar provocadas por conflitos armados e desastres naturais, uma nova esperança surge com a doação de mais de 5.300 toneladas de arroz feita pela República da Coreia do Sul ao Programa Mundial de Alimentos (PMA). A ajuda visa beneficiar mais de 230.000 pessoas vulneráveis em 2025, num gesto que reaviva os laços de solidariedade entre povos distantes, mas unidos por causas humanitárias.
A cerimónia de receção do donativo decorreu esta quarta-feira, 02 de Julho,  em Pemba e contou com a presença do embaixador sul-coreano, Bok Won Kang, do chefe do escritório do PMA em Cabo Delgado, Francisco Mendes, e do governador da província, Valige Tauabo.
“Estamos satisfeitos em fazer parte deste esforço conjunto (…). Esta parceria reflete o nosso compromisso partilhado com a segurança alimentar e o caminho para a recuperação e resiliência”, afirmou o embaixador Bok Won Kang, reforçando o engajamento do seu país com as causas humanitárias em Moçambique.
Segundo Francisco Mendes, do PMA, a entrega do arroz acontece num contexto particularmente difícil para a província:
“Só durante a temporada dos ciclones de 2024-2025, o norte de Moçambique foi atingido por três ciclones em três meses. Esta contribuição oportuna e generosa do povo coreano ajudará a evitar uma maior deterioração da segurança alimentar e nutricional dos grupos mais vulneráveis.”
Mendes enfatizou ainda o papel das autoridades locais na viabilização da ajuda e o envolvimento das comunidades beneficiárias no planeamento das actividades, dizendo que o PMA continuará a trabalhar lado a lado com os parceiros “mesmo nesses tempos de escassez de recursos”.
O governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, sublinhou que a situação de vulnerabilidade permanece crítica, mesmo para famílias que começaram a reconstruir as suas vidas após o deslocamento forçado.
“Quando eles começam a construir de novo as suas vidas, continuam a precisar de assistência alimentar, pois os níveis de vulnerabilidade ainda continuam altos (…). Agradecemos à República da Coreia do Sul por esta generosa doação que vai beneficiar mais de 230 mil pessoas afectadas pelo conflito armado”, disse o governador.
Apesar do impacto potencial dessa assistência, persistem denúncias de desvio de produtos humanitários que deveriam estar a chegar às vítimas dos conflitos armados e calamidades. Vários líderes comunitários e beneficiários relataram, sob anonimato, que parte dos alimentos doados não chega aos destinos finais.
Em quase todos distritos como Mocímboa da Praia, onde população ataca o administrador local de desvio de alimentos ao distrito de Mueda e afirma que os mantimentos são, por vezes, canalizados para intermediários ou desviados no processo logístico, desaparecendo antes de chegar aos beneficiar.
Uma fonte ligada à sociedade civil, que acompanha de perto o processo de distribuição, declarou:
“A ajuda chega, mas nem sempre é distribuída com transparência. Há falta de controlo, e muitas vezes são as mesmas famílias mais vulneráveis que acabam penalizadas.”
Organizações locais e internacionais têm reiterado a importância de reforçar os mecanismos de monitoria e prestação de contas, alertando que o impacto de generosas doações como a da Coreia do Sul pode ser reduzido se a cadeia de distribuição continuar a ser fragilizada por corrupção ou negligência.
A contribuição da República da Coreia surge como um sopro de alívio num cenário de desespero, mas também como um lembrete urgente: a assistência humanitária só cumpre o seu papel quando chega, de facto, a quem mais precisa.
Com a crise humanitária longe de ser resolvida, a população de Cabo Delgado precisa não apenas de arroz, mas de compromissos firmes com a justiça, fiscalização eficaz e respeito pela dignidade humana aliás sustentabilidade.
A esperança alimenta-se de solidariedade mas também exige responsabilidade. (Moz24h)

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