Activistas da sociedade civil e especialistas em governação defendem que o Fundo Soberano deve ser consagrado na Constituição da República, como forma de garantir estabilidade, segurança jurídica e protecção contra influências políticas na gestão das receitas provenientes do gás natural. A proposta foi apresentada durante um seminário subordinado ao tema “Papel da Sociedade Civil na Monitoria da Gestão do Fundo Soberano de Moçambique”, realizado na última quarta-feira (15), em Maputo.
Segundo um artigo publicado esta segunda-feira, 19 de Maio, pelo portal de notícias Carta de Moçambique, a iniciativa surge num momento em que o País se prepara para gerir fluxos significativos de receitas provenientes da exploração do gás natural na bacia do Rovuma, cujos primeiros depósitos no Fundo Soberano estão previstos para os próximos anos.
“Dignidade constitucional” para os recursos do povo
Segundo Chicote, a inclusão do Fundo Soberano na Constituição serviria de blindagem contra mudanças políticas e legislativas que comprometam a sua estabilidade. “Estamos a falar de um fundo que vai receber valores astronómicos e que terá um tempo de vida útil, se calhar, de mais de 100 anos. Isso justifica a sua dignidade constitucional”, sublinhou.
Os recursos naturais são do povo soberano e, por isso, a conta das receitas provenientes dessas riquezas deve merecer dignidade constitucional
Chicote considerou ainda que a já manifestada abertura do actual chefe do Estado para a revisão constitucional constitui uma oportunidade “soberana” para introduzir cláusulas específicas sobre o Fundo Soberano. Referiu o exemplo de Timor-Leste, onde a Constituição prevê expressamente a afectação das receitas petrolíferas a reservas financeiras criadas pela própria lei fundamental.
Críticas à lei vigente e ao silêncio institucional
A coordenadora do Movimento Cívico Sobre o Fundo Soberano, Fátima Mimbire, criticou a falta de clareza da actual legislação quanto à afectação dos recursos. “A lei fala de áreas estruturantes, mas não indica exactamente quais nem que percentagens devem ser alocadas, o que abre caminho para uma utilização oportunista dos recursos do fundo”, afirmou.
Mimbire defendeu que sectores como a saúde e a educação devem ser prioritários, pelo seu impacto directo no desenvolvimento humano. João Chicote, por sua vez, propôs que as verbas destinadas ao desenvolvimento fossem orientadas para projectos com retorno financeiro, como estradas com portagem, que geram receitas futuras para financiar outras áreas essenciais.
Os activistas demonstraram também preocupação com a falta de informação por parte do Banco de Moçambique, a quem cabe a gestão operacional do Fundo Soberano. “Mais de um ano após a aprovação do fundo, o Banco de Moçambique mantém-se em silêncio, o que levanta dúvidas sobre transparência e independência”, declarou Mimbire.
A lei fala de áreas estruturantes, mas não indica exactamente quais nem que percentagens devem ser alocadas, o que abre caminho para uma utilização oportunista dos recursos do fundo
Segundo a activista, o controlo político sobre o banco central mina a confiança pública e não garante a imparcialidade necessária para uma gestão eficaz e responsável. “As dúvidas em relação à transparência têm que ver com o controlo político do Banco de Moçambique”, frisou.
Ausência de mecanismos operacionais levanta suspeitas
O economista Rui Mate, do Centro de Integridade Pública (CIP), também questionou o silêncio do banco central, sugerindo que o mesmo poderá estar ligado a dificuldades do Governo em gerir a sua tesouraria. “O Governo tem um problema de liquidez, seria estranho estar em condições de guardar dinheiro para o fundo soberano. Pode ser este o motivo do silêncio do Banco de Moçambique”, comentou.
Outra crítica prende-se com a escolha da futura comissão de gestão do fundo, um processo que está sob responsabilidade do governador do banco central. Mimbire considera que esse arranjo não garante a independência das figuras nomeadas e abre espaço para nomeações politicamente motivadas. (DE)