A justiça eleitoral centralizada no Conselho Constitucional, em detrimento dos tribunais locais, e a importação acrítica de modelos democráticos ocidentais, foram apontadas como fragilidades estruturais da democracia moçambicana por académicos reunidos numa mesa-redonda sobre direito eleitoral.
Para os participantes, a forma como está organizado o sistema eleitoral contribui para a morosidade da justiça, reduz a confiança no processo democrático e ignora os contextos socioculturais moçambicanos.
“Imagina um cidadão em Nipepe ou Mecúfi que submete uma queixa eleitoral e tem de esperar que a decisão venha de Maputo. Isso retira celeridade à justiça e distancia o eleitor do seu direito”, criticou Hugo de Rosário Mapelene, juiz do Tribunal Administrativo Provincial de Nampula e docente universitário.
Mapelene explicou que, de acordo com a Lei n.º 15/2024, que estabelece o quadro jurídico para a eleição do Presidente da República e dos Deputados da Assembleia da República, é o Conselho Constitucional quem decide em última instância sobre os litígios eleitorais, excluindo a possibilidade de resolução local. Para o jurista, essa centralização compromete a eficácia do processo.
Também o académico Arcénio Cuco defendeu que a democracia moçambicana carece de autenticidade, ao adoptar formatos que não correspondem às especificidades nacionais:
“Desde a transição de 1990, Moçambique tem copiado modelos de democracias consolidadas do Ocidente. Mas precisamos de perguntar: o que há de moçambicano na nossa democracia? Está na hora de pensarmos num modelo com identidade própria”, afirmou.
O debate também abordou os desafios enfrentados pelos media durante os processos eleitorais. O jornalista Aunício da Silva criticou a ausência de liberdade para realizar sondagens eleitorais, instrumento que poderia ajudar a combater a desinformação:
“Há capacidade técnica para fazer sondagens, mas a legislação actual proíbe. Isso limita os media na verificação de informação e na prevenção de fake news. Esta é uma matéria que precisa ser discutida seriamente na revisão da Lei de Imprensa”, defendeu.
Já o representante da sociedade civil, António Magerene, chamou a atenção para a redução do espaço cívico e a necessidade de garantir a participação efectiva dos cidadãos na vida política:
“Os direitos estão na Constituição, mas não se realizam na prática. Há estigmatização da sociedade civil, pressões sobre os media e limitações à liberdade de participação. Isso enfraquece a democracia”, lamentou.
Magerene apelou a que se reconheça o papel da sociedade civil na vigilância e proposta de reformas no sistema eleitoral, para torná-lo mais inclusivo, transparente e justo.
“Quando se reduz o espaço cívico, está-se a limitar o próprio desenvolvimento democrático do país.”
As reflexões foram apresentadas na última segunda-feira (19), durante uma mesa-redonda realizada na Universidade Católica de Moçambique (UCM), em Nampula, sob o tema “Direito Eleitoral e Democracia em Moçambique”. O evento, aberto ao público académico e à sociedade civil, foi considerado pelos participantes uma oportunidade valiosa para debater os entraves estruturais ao desenvolvimento democrático no país e reforçar a necessidade de uma actuação conjunta entre Estado, universidades, sociedade civil e órgãos de comunicação social. (Jornalrigor)