Por Tiago J.B. Paqueliua
Em Moçambique, a realidade supera a sátira — e torna-a redundante. O mais recente relatório do Centro de Integridade Pública (CIP), divulgado pelo Jornal Ao Minuto no dia 1 de Julho de 2025, desvelou, uma vez mais, a nudez obscena deste Estado predador: os administradores não executivos das empresas públicas auferem, em média, o equivalente a 53 salários mínimos, traduzindo-se em 465 mil meticais mensais por cabeça.
O mesmo documento adensa a ironia: o erário público desembolsa 185 milhões de meticais só para manter esta aristocracia burocrática supérflua— verba que, se revertida, poderia garantir 1.760 salários mínimos, pagando pão e arroz a igual número de trabalhadores reais. Mas, claro está, seria obsceno esperar que o Estado Prioritário — perdão, o Partido-Estado — invertesse a pirâmide.
Essas empresas foram criadas exatamente para “servir a elite política”, como verdadeiros funis de luxo para meia dúzia de patriarcas do orçamento público. Do IGEPE ao INSS, da moribunda LAM aos zombificados Aeroportos de Moçambique, passando pela TMCEL, EDM, HCB, Imprensa Nacional, CFM e a Bolsa de Valores que quase ninguém compreende — todas, sem pudor, são caixas electrónicas de um clientelismo que financia a maquinaria partidária e alimenta uma nomenclatura cujo maior feito é o parasitismo.
É de uma ironia trágica que, enquanto uns poucos sorvem fortunas pelo nariz do contribuinte, a esmagadora maioria sobrevive — ou, mais apropriadamente, vegeta — entre subnutrição crónica, deslocações forçadas por terrorismo em Cabo Delgado, enchentes e secas, e uma exploração mineira que leva tudo, menos o desenvolvimento.
Na República de Moçambique, a “fome de governação” é tão literal quanto figurada: devora o pão de muitos para untar a mesa de poucos.
O que se diz em Maputo, entre ar condicionados e briefings elegantes, é que tais prebendas são “necessárias” para “reter talento”. Porém, ao cidadão raso, resta perguntar: reter talento para quê?
Para afundar a LAM?
Para falir a TMCEL?
Para transformar o INSS num banco de favores?
A moral desta tragicomédia, para quem a quiser ouvir, é simples: as empresas públicas tornaram-se resguardos de privilégio, escolas de extorsão legalizada, retalhos de uma independência sequestrada pelo próprio bando que a proclamou. A promessa de desenvolvimento esvai-se, gota a gota, na torneira aberta de salários pornográficos, que irrigam a perpetuação de um regime travestido de República.
E o povo? O povo mastiga silêncio. Engole poeira. Exporta filhos para a diáspora. Reza para que a próxima cheia não leve o pouco que resta. E, para cúmulo, paga imposto para manter administradores que ganham 53 vezes mais que o Zé-Ninguém que produz.
Dizia Georges Orwell que “alguns são mais iguais que outros”. Em Moçambique, é literal: uns são pagos para gerir o nada, enquanto os outros gerem o nada com que são pagos.