O Tribunal Comercial de Londres recusou hoje anular o caso das dívidas ocultas de Moçambique em curso na justiça britânica, mantendo para outubro o início do julgamento.
Numa decisão publicada hoje, o juiz Robin Knowles decidiu que “não é justo, proporcional ou necessário anular as alegações ou pedidos da República, ou impedi-la de defender-se, nesta fase”.
O juiz decidiu assim indeferir um requerimento do banco Credit Suisse para anular o julgamento sobre as dívidas ocultas de Moçambique devido ao incumprimento na divulgação de provas documentais por parte do Governo moçambicano.
Porém, referiu que “no julgamento, todas as alternativas, incluindo a de anular total ou parcialmente [o caso], continuam disponíveis”.
“As críticas à divulgação [de documentos] da República, quer as críticas individuais, quer a questão do efeito global sobre a confiança na sua divulgação, podem ser altamente materiais em julgamento. Uma resposta calibrada será possível de uma forma que não é possível agora”, vincou o magistrado.
Knowles não considera existir agora um “risco substancial de um julgamento injusto”, mas admite que “terá de se precaver com especial vigilância contra injustiças no julgamento”.
O magistrado admitiu que a ausência de documentos oficiais moçambicanos poderá ser prejudicial para os argumentos da PGR de Moçambique.
Knowles avisou que durante o julgamento “pode ter de concluir que as falhas na divulgação pela República ou no cumprimento pela República dos seus deveres de divulgação têm consequências adversas substantivas para o caso da República”.
Os advogados do Credit Suisse queixaram-se da demora e falta de transparência do processo e da inabilidade em obter documentos oficiais, em particular do Gabinete do Presidente da República e do Servic¸o de Informac¸a~o e Seguranc¸a do Estado (SISE).
De acordo com o Tribunal, os advogados britânicos que representam a Procuradoria-Geral da República de Moçambique, juntamente com o procurador-geral adjunto, Vasco Matusse, reuniram-se com o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, e obtiveram autorização para buscas adicionais.
Após pesquisas no Gabinete do Presidente, Gabinetes dos Conselheiros do Presidente, Secretariado-Geral e Gabinete do Chefe de Gabinete, foram identificados 20 documentos.
Da parte do SISE, as buscas dificultadas pelo segredo de Estado, tendo apenas sido feitas internamente.
A resposta foi que “não havia documentos ou [que] os documentos estavam noutro local”, e o SISE admitiu que “era e continua a ser raro as pessoas que trabalham na instituição utilizarem contas de correio eletrónico institucionais”, refere hoje o Tribunal britânico.
O Tribunal Comercial de Londres tem agendado para 03 de outubro o início do julgamento da ação judicial apresentada pela PGR de Moçambique em 2019 para tentar anular uma dívida de 622 milhões de dólares da empresa estatal ProIndicus ao banco Credit Suisse, alegando que resultou de corrupção.
O empréstimo foi avalizado secretamente pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) quando Armando Guebuza ainda era chefe de Estado, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas do grupo naval Privinvest.
O caso, descoberto em 2016 e que ficou conhecido por “dívidas ocultas”, envolve contratos e empréstimos de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) com os bancos Credit Suisse e VTB entre 2013 e 2014 em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM. (LUSA)