Sociedade

Qual é a Fonte Fidedigna e Falsa da Situação Securitária de Cabo Delgado?

Foto: Estacio Valoi/Afungi/Palma/Cabo Delgado
Foto: Estacio Valoi/Afungi/Palma/Cabo Delgado

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

“A ignorância deliberada é a mais perigosa das farsas políticas.” — Hannah Arendt

 

Em tempos de crise, como na pandemia da COVID-19, fomos instruídos a confiar cegamente na autoridade sanitária mundial — a OMS. Arlindo Tiago, então Ministro da Saúde em Moçambique, não hesitou em decretar que “a única fonte fidedigna é a OMS.” E, no entanto, com o passar do tempo, descobriu-se que muitas das diretrizes não passavam de ensaios, de palpites travestidos de ciência, com margem de erro amplamente negada. Não se vacinou ratos de laboratório, mas seres humanos — principalmente africanos — com fármacos testados às pressas e sob pressão. A Constituição foi suspensa por decretos administrativos, confinando cidadãos como se fossem peixes em viveiros, num ensaio de controle biopolítico global onde a doença, e não a democracia, passou a governar.

Trago à baila este exemplo porque ilustra bem a questão fulcral que se repete hoje em Cabo Delgado: quem é a fonte fidedigna da verdade sobre a guerra, o terrorismo e o sofrimento humano? A ONU, através do ACNUR, acaba de reportar que mais 60 mil pessoas foram forçadas a fugir em 2025. Desde 2017, já são 1,3 milhões de deslocados. Números que desmentem o falso discurso de “retorno à normalidade” proferido pelas autoridades moçambicanas em parceria com órgãos de comunicação pública — o trio oficial RM, TVM e Jornal Notícias.

O filósofo Michel Foucault, em “A Verdade e as Formas Jurídicas”, alertava que a verdade é uma construção, e quem a constrói tem o poder. O que vemos em Moçambique é a construção de uma verdade oficial, controlada e censurada, onde o jornalismo investigativo é proscrito, e o terreno vedado aos olhos independentes. Quem ousa reportar fora da pauta governamental é ameaçado ou silenciado.

É verdadeiramente terrorismo aquilo que se passa em Cabo Delgado ou há uma dimensão de negócio e interesses ocultos por trás do sangue derramado? A ausência do Estado nas zonas atacadas — como o Posto Policial de Chiúre Velho, abandonado no dia do ataque — não é apenas uma negligência: é uma estratégia? Por que razão os terroristas conseguem gravar, fazer comícios, distribuir vídeos sem qualquer interceptação? As FDS, por outro lado, extorquem os mesmos civis que juraram proteger, especialmente ao longo da EN380, onde a circulação se torna um tormento fiscal e físico.

A omissão do Estado e o silêncio da imprensa estatal geram um vácuo perigoso: o de uma verdade sem voz. Como dizia Cícero, “Salus populi suprema lex esto” — a salvação do povo deve ser a suprema lei. Mas em Moçambique, parece ser a salvação do poder a prioridade suprema.

Com a invisibilidade das forças do Estado no teatro de guerra, e a visibilidade perturbadora dos atos terroristas filmados e publicados com profissionalismo cinematográfico, ergue-se a questão de sempre: quem está a proteger quem? E sobretudo, quem está a lucrar com o terror?

O Centro de Estudos Estratégicos de África contabiliza 349 mortos em 2024, um aumento de 36% em relação ao ano anterior. Isto num contexto em que o discurso oficial repete, como um mantra gasto, que “as Forças de Defesa e Segurança estão ao encalço dos insurgentes.” Mas, no encalço há quantos anos? Com que eficácia? E por que há sempre mais vídeos dos atacantes do que resultados da tropa nacional?

A guerra em Cabo Delgado não pode ser vencida com propaganda. Nem com fórmulas secretas entre elite político-militar e multinacionais predadoras. Cabo Delgado precisa de verdade, de justiça, e de libertação integral — territorial, social, ambiental e comunicacional. Urge uma operação massiva de purificação institucional nas fileiras da inteligência, defesa e segurança, uma vasculha real e articulada com as comunidades, para desmantelar todos os covis e desmascarar os seis (ou mais) financiadores do terror — que, se quisermos, o povo pode identificar.

Se não for para isso, então para que servem a União Africana, a SADC, a CPLP e os discursos em cimeiras de luxo? A solidariedade protocolar entre chefes de Estado, que se saúdam entre copos de champanhe, jamais substituirá o direito das crianças de Muidumbe ou Macomia a dormirem em paz.

Urge, pois, permitir o trabalho dos poucos jornalistas honestos ainda de pé. Dar-lhes acesso ao terreno. Libertar as fontes da mordaça. Deixar que o mundo veja o que se passa e que os factos falem. Porque como advertiu Sócrates, “A vida sem investigação não merece ser vivida.” E como podemos investigar se as fontes estão secas, vigiadas, manipuladas?

A quem beneficia a mentira? Quem lucra com o sofrimento do povo moçambicano? A falsa calmia narrada em conferências de imprensa é uma violência adicional contra os que perderam tudo. A paz, em Cabo Delgado, não pode ser decreto nem estatística manipulada. Ela só poderá nascer da verdade — ainda que dolorosa —, da justiça — mesmo que demorada —, e da coragem de cortar a raiz do mal.

Porque a mentira, como dizia George Orwell, “é a linguagem da guerra eterna.”

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