Economia

PARCERIAS OU PILHAGEM? O Outro Lado do Discurso de Donald Trump sobre Moçambique

 

Por Jerry Maquenzi

Poucos dias antes das celebrações dos 50 anos da independência de Moçambique, marcadas para 25 de junho, o actual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou: “Os recursos naturais abundantes em Moçambique oferecem muitas oportunidades para parcerias que promovam segurança e prosperidade.” Num momento historicamente carregado de simbolismo, essas palavras poderiam soar como o prenúncio de uma nova era de cooperação entre Moçambique e os Estados Unidos. Mas será mesmo?

A retórica de Trump sobre “segurança e prosperidade” merece um olhar crítico, sobretudo quando confrontada com a realidade vivida pelas populações moçambicanas. O que está por trás dessas parcerias? A quem servem? E, mais importante, onde elas estavam nas últimas décadas em que Moçambique enfrentou crises profundas – da insurgência em Cabo Delgado à degradação da N1, da pobreza crescente à juventude abandonada?

Terrorismo em Cabo Delgado: discurso vazio ou compromisso real?

 Quando se fala em segurança, o contexto mais imediato é o conflito armado em Cabo Delgado, onde desde outubro de 2017 insurgentes aterrorizam populações civis e interrompem projectos de exploração de gás natural. O que Trump não disse é como os Estados Unidos pretendem agir. Vai a sua administração finalmente oferecer apoio efectivo no combate ao terrorismo, ou continuará a limitar-se a acções periféricas, deixando o peso da guerra às forças ruandesas e de alguns países da SADC?

Os ataques continuam, as populações continuam a abandonar as suas casas, e o Estado moçambicano demonstra fragilidade. A segurança de que fala Trump parece ser, na verdade, aquela que protege os investimentos estrangeiros – não as vidas moçambicanas.

Prosperidade para quem? A pobreza só aumentou

 O conceito de prosperidade evocado por Trump choca com os dados empíricos. Os três últimos Inquéritos ao Orçamento Familiar (IOFs) mostram que a pobreza não diminuiu – pelo contrário, ela cresceu em diversas províncias, especialmente no meio rural e entre os jovens. A juventude moçambicana, sem acesso a emprego digno, educação de qualidade ou oportunidades reais, assiste ao desfile de riquezas que sai do subsolo, sem que migalhas lhe sejam deixadas.

Foi justamente essa exclusão social que alimentou os protestos pós-eleitorais entre Outubro de 2024 e Fevereiro de 2025. As manifestações não surgiram do nada: foram expressão legítima de uma juventude farta de esperar, traída por promessas que nunca se concretizam.

E a infraestrutura básica? A N1 é um símbolo da negligência

O estado calamitoso da Estrada Nacional Nº 1 resume o descaso com que as necessidades reais do povo moçambicano são tratadas. Se há parcerias, por que não se canalizam recursos para reabilitar essa espinha dorsal do país? A degradação da N1 isola comunidades inteiras, encarece produtos, destrói negócios e acentua desigualdades.

No entanto, os Estados Unidos, através da USAID, vêm reduzindo progressivamente seu apoio ao Estado moçambicano. A justificativa oficial são “a eficiência, gestão da ajuda externa, corrupção e má gestão dos fundos por parte de alguns governos africanos”. Mas, na prática, isso deixa o país refém de empréstimos e de doadores com interesses comerciais mais do que humanitários. Que prosperidade se pode construir sobre estradas esburacadas, escolas precárias e hospitais sem medicamentos?

Balama e o caso da grafite: quando o “desenvolvimento” é só para exportação

 Talvez o exemplo mais gritante da dissonância entre discurso e prática seja o distrito de Balama, em Cabo Delgado, onde se extrai grafite de alta pureza – essencial para a produção de baterias de carros eléctricos nos Estados Unidos. Empresas como a Syrah Resources operam ali em nome da transição energética global. A grafite moçambicano já alimenta a indústria automóvel de Elon Musk, mas a população local continua a viver na penúria.

As comunidades afectadas pelo projecto reclamam de indemnizações injustas, promessas não cumpridas. O desenvolvimento anunciado por Trump, neste caso, passa ao largo das aldeias sem electricidade e sem água potável. O “parceiro” americano extrai riquezas, mas não compartilha seus frutos.

Conclusão: ou se muda o modelo, ou se repete o passado

 As palavras de Donald Trump, proferidas  a partir de Washington poucos dias antes das celebrações dos 50 anos da independência de Moçambique, podem até parecer generosas – mas soam como promessas recicladas de um modelo que já conhecemos. A história moçambicana está cheia de líderes estrangeiros que exaltam nossas riquezas à distância, enquanto ignoram as estradas intransitáveis, silenciam diante da violência armada e fecham os olhos para as injustiças sofridas por deslocados, reassentados e jovens marginalizados.

Se estas “parcerias” não forem acompanhadas de justiça social, redistribuição da riqueza e respeito pelos direitos das comunidades, não são parcerias – são pilhagem com luvas diplomáticas.

Cinquenta anos após a independência, o povo moçambicano merece mais do que discursos confortáveis feitos de longe: merece dignidade, soberania e um lugar à mesa onde se decide o destino dos seus próprios recursos. Ou mudamos o modelo, ou continuaremos a celebrar independência sob estruturas de dependência e exclusão.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *