Opiniao

Os nossos amigos de imprensa!

Por: Mui Woothaceria

“Os nossos amigos da comunicação social…” É assim que muitos dirigentes iniciam os seus discursos públicos. A frase soa cordial, carrega uma aparência de respeito. Mas, na prática, o que se observa é o oposto: um desprezo silencioso e institucionalizado pelos profissionais da imprensa.

Ser jornalista na província de Cabo Delgado é viver entre o discurso e a realidade, entre o tapinha nas costas e o empurrão por trás das câmaras. De manhã, somos chamados de parceiros do desenvolvimento, à tarde, tratados como estorvos. Cobrimos eventos de Estado, damos visibilidade às acções do governo, acompanhamos visitas aos distritos, e ainda assim, às vezes dormimos em viaturas, comemos quando sobra, e improvisamos alojamento onde der.

Enquanto os dirigentes descansam em hotéis com ar condicionado e refeições completas, os repórteres, aqueles que constroem e protegem a imagem pública dessas figuras, muitas vezes passam fome ou enfrentam condições desumanas. E ninguém se escandaliza.

O que mais entristece é a naturalização dessa realidade. Já se tornou normal o jornalista não ter sequer água durante uma cobertura. Já se espera que ele aceite ser tratado como invisível depois de cumprir sua função. A frase “amanhã tem um evento, o Chefe de Estado vai lá” ou “O Governador vai trabalhar no Distrito X” soa quase como uma convocatória obrigatória. Mas depois do evento, o repórter volta a ser visto como peso morto. Um recurso descartável.

Em muitas partes do mundo, o ataque à imprensa é tratado como uma ameaça à democracia. Aqui, o desrespeito diário virou rotina, e quase ninguém levanta a voz contra isso. Há jornalistas que continuam firmes, mesmo sem salário fixo, sem contrato, sem protecção. Por quê? Porque acreditam na sua missão: informar o povo, dar voz aos que não têm voz, mostrar o que muitos tentam esconder.

Em Cabo Delgado, onde o terrorismo tentou calar tudo, a imprensa tem sido um dos poucos pilares de resistência e memória. Mas até quando resistiremos? Até quando aceitaremos o tratamento desigual, a exclusão institucional e o abandono disfarçado de amizade?

Um verdadeiro amigo não humilha, não invisibiliza, não despreza. A imprensa precisa ser mais do que uma ferramenta de conveniência. Precisa ser reconhecida como pilar essencial da sociedade.

Espero continuar vivo e testemunhar alguma mudança. Que não se repita, eternamente, este triste retrato: o jornalista com fome no estômago e coragem no peito, servindo um sistema que o pisa quando não precisa mais dele.

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