Por Alexandre Chivale*
Quem tem um contrato de fornecimento de electricidade com a Electricidade de Moçambique (EDM) já certamente reparou que factura mensal, antes do total aparece uma linha onde se lê «Taxa de Radiodifusão». Mais à frente está o valor a pagar. Tanto quanto sabemos a EDM limita-se a cobrar este valor sem que conheça a base legal para o fazer. E a questão que se coloca é: haverá alguma razão especial e legalmente consagrada para que a nossa querida EDM cobre o referido valor quando o que com ela contratamos é o fornecimento de energia?
Mas mais do que isso, é que em caso de atraso no pagamento da factura de energia, a monopolista no fornecimento de energia cobra juros de mora, baseados no total factura, onde se inclui a já citada taxa de radiodifusão, donde nos cabe questionar se a quota-parte dos juros referente à taxa de radiodifusão é canalizada ao seu beneficiário. Estamos, portanto, perante a cobrança de uma taxa por quem não tem legitimidade para tal, para além de que ao agir nos moldes em que temos vindo a citar a EDM quebra os termos do contrato firmado com o cliente. Poderia alguém, eventualmente, no que se refere à citada quebra do contrato, contrapor, recorrendo aos princípios dos contratos por adesão1 para sustentar essa unilateral mudança dos termos contratuais pela EDM.
Em nosso entender, nem isso procede, porquanto, no momento em que firmou o contrato com a EDM a obrigatoriedade do pagamento da taxa de radiodifusão não existia, para além de que corre-se o risco de alguém pagar uma taxa de um bem que não usa 2 . Até porque não vemos que possa existir uma razoável sucessão mecânica entre o consumo de energia e a taxa de radiodifusão, uma vez que ao contratar com a EDM o cliente fá-lo por pretender o consumo de energia. Por outro lado, dir-nos-ia alguém que o mecanismo usado permite uma cobrança segura da referida taxa, uma vez que tendencialmente toda a gente paga os consumos de energia, conhecido o seu valor numa economia normal e pessoal.
Considerar isso seria abrir um precedente pernicioso, pois no dia em que um clube de futebol pretender cobrar fundos para investir num pretenso projecto africano, bastaria firmar um acordo com uma empresa que preste serviço público e nas facturas destas incluir a referida taxa de contribuição para o dito clube. Ora, isso seria, quanto a nós, uma exaltação leviana à burla contra o pacato e indefeso cidadão, termos em que não serve para justificar tais cobranças. Portanto, a EDM não pode obrigar ninguém a pagar a taxa de radiodifusão, pois não é para isso que contratou com os clientes e, se estes não quiserem pagar o serviço podem exigir que esta deixe de o fazer, nem que seja necessário intentar uma acção judicial para esse efeito. Até porque é nosso entender que a taxa não é obrigatória, por manifesta ausência de base legal para o efeito. Não é, a nosso ver, uma forma justa e correcta de cobrar a citada taxa. Juridicamente a taxa é uma quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens públicos ou semipúblicos ou ainda como o preço autoritariamente fixado de tal utilização
3 . Portanto, a taxa é a contraprestação pelo uso de bens ou serviços públicos. E não devemos perder de vista um aspecto importantíssimo: a taxa de radiodifusão é cobrada a favor da Rádio Moçambique, portanto, a maior e mais antiga instituição de radiodifusão. Estamos a falar de uma emissora pública, que funciona à base de impostos (de novo) pagos pelos cidadãos. Somos obrigados a pagar esta taxa, mesmo que as rádios privadas possam fazer um melhor serviço público que a RÁDIO MOÇAMBIQUE, mesmo que existam outras rádios mais ouvidas e apreciadas, a quem não é dada oportunidade de cobrar uma taxa de similar estirpe.
O serviço público de radiodifusão é necessário? Sem dúvida. Mas ponham, pelo menos, os olhos no serviço público prestado por outras rádios, a favor de quem não se paga taxa de radiodifusão sonora. Na verdade a Rádio Moçambique, EP, foi criada pelo Decreto 18/94, de 16 de Junho, com um capital estatutário de 36.606.783,00 Mt., visando prestar o serviço público de radiodifusão Sonora
4 . A transformação da Rádio Moçambique em empresa pública, em 1994, teve como imperativo um novo contexto político e legal, no quadro das transformações introduzidas pela Constituição de 1990 e aprovação da lei de imprensa em Agosto de 1991. Tomando em consideração que a Rádio Moçambique não é uma empresa viável, do ponto de vista económico-financeiro, dependendo, o seu funcionamento, de subsídios provenientes do Orçamento do Estado, cria-se a Taxa de Radiodifusão.
Existem 3 modalidade de pagamento da Taxa de Radiodifusão: Pela utilização de receptores de radiodifusão domésticos: através da factura de electricidade, em que é debitado o valor 12,00 meticais para cada consumidor doméstico, ou 297,00 meticais para consumidores de média e alta tensão; Pela utilização de receptores de radiodifusão em viaturas: são pagos anualmente o valor de 144,00 meticais; Por cada receptor de radiodifusão comprado/importado: através das Alfândegas de Moçambique5 e, numa prestação única no valor de 59,00 meticais para receptores cujo valor não ultrapasse 280,00 meticais, 121,00 meticais, para receptores com valor superior a 280,00 meticais e inferior a 280,00 meticais e 297,00 meticais para receptores com valor igual ou superior a 1 400,00 meticais. Ora, aqui está mais uma razão para questionar a razão do pagamento compulsivo e generalizado desta taxa.
É que certamente existirão muitas pessoas que quase não escutam a Rádio Moçambique, por razões de vária índole, não vendo, deste modo, razão plausível para serem forçadas a pagar a taxa de radiodifusão. E se a justificação para se pagar a taxa de radiodifusão é a necessidade de subsidiar a maior e mais antiga estação de rádio, acreditamos que se dispensa à rádio estatal tratamento diferenciado em relação às demais. Deste modo, porque duplamente subsidiada – por um lado por dotação orçamental por via do OGE e por via da famigerada taxa de radiodifusão – é nosso modesto entender que à RM devia se vedar a possibilidade de angariar publicidade em igualdade de circunstâncias com as restantes rádios de cariz essencialmente comercial.
Assim, parece-nos que como forma de legitimar a cobrança indevida de uma taxa de modo desenfreado, se estabeleceu o mecanismo do pagamento via factura de energia, pois de contrário não custa prever o cortejo de dificuldades que a rádio estatal enfrentaria para cobrar a dita taxa. E já agora, se perguntar não ofende: que sanção terá alguém que se recuse a pagar a dita taxa? E se cada utente dos serviços da EDM se sentir burlado, haveria ou não legitimidade para requerer, em juízo, o ressarcimento pela cobrança indevida da taxa de radiodifusão? Alia jacta
1.São aqueles contratos em que um dos contraentes (cliente ou consumidor) não tendo a menor participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece em massa ao público interessado. Na vida das pessoas, por várias vezes, cada um se depara com a celebração deste tipo de contrato, nomeadamente quando celebra o contrato de seguro do seu automóvel, quando assina contrato para fornecimento de gás, electricidade ou telefone. Os contratos são apresentados ao consumidor que os assina, muitas vezes, sem ler.
2.Como mais abaixo demonstraremos.
3.Cfr. João Franco e Herlander Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, páginas 779 e 780.
4.Vide sítio da Rádio Moçambique (www.rm.co.mz), acessado no dia 22 de Novembro de 2011.
5.Era de bom-tom que nos dissessem a quem são canalizados os valores cobrados por esta via.
6.A sorte está lançada
*Advogado, Texto extraido do Boletim da Sal&Caldeira N.º 48, de Dezembro de 2011