Internacional Politica

O Ruanda e a Vitória Silenciosa no Leste da RDC

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Por Rui Verde

 

O recente acordo de paz entre os Estados Unidos, a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda tem sido apresentado como um avanço diplomático promissor.

A verdade, como sempre, é mais complicada do que as simplificações propagandísticas.

Por detrás da linguagem conciliatória e dos compromissos formais aparentemente benignos, esconde-se uma realidade geopolítica mais crua: este acordo representa, acima de tudo, uma vitória estratégica do Ruanda e de Paul Kagame, uma tentativa apressada e predatória dos EUA de recuperar influência numa região onde já não ditam as regras e, possivelmente, como resultado, uma futura vitória de médio prazo da China.

 

Do lado americano, os objectivos são claros e pouco disfarçados. Por um lado, Washington procura reentrar no jogo económico da RDC, particularmente no sector dos minerais críticos, onde a China tem dominado com investimentos consistentes e de longo prazo. Por outro, há uma motivação política interna: criar um palco diplomático que possa alimentar a narrativa de Donald Trump como pacificador global, numa manobra que visa reforçar a sua imagem internacional com vista a uma eventual candidatura ao Prémio Nobel da Paz. Esta intervenção americana, no entanto, tem um sabor quase neocolonial. Não oferece garantias reais à RDC, não resolve os problemas estruturais do conflito e, sobretudo, não apresenta um plano sustentável para o desenvolvimento da região. É uma jogada de curto prazo, centrada em interesses eleitorais e económicos, que ignora as dinâmicas locais e regionais.

 

A grande tragédia da RDC é a sua incapacidade institucional. O presidente Félix Tshisekedi lidera um Estado frágil, sem controlo efectivo sobre vastas regiões do país, incluindo o Leste — onde o M23 opera com impunidade. O acordo exige o desarmamento do M23, mas não oferece mecanismos concretos para o fazer. Não há instrumentos operacionais claros, nem dispositivos de supervisão independentes. É letra morta. Sem instituições fortes, sem capacidade de fiscalização e sem legitimidade interna, a RDC torna-se um terreno fértil para a exploração externa – seja por potências estrangeiras ou por vizinhos mais organizados e ambiciosos.

 

É precisamente neste vazio que Paul Kagame se move com mestria. Longe de ser um mero actor secundário, o presidente ruandês tem demonstrado uma visão estratégica rara em África. Ao longo dos anos, transformou o Ruanda num hub regional de estabilidade, inovação e ambição geopolítica. Este acordo é mais uma peça no seu xadrez.

 

O ponto mais relevante do texto – o Quadro de Integração Económica Regional – é, na prática, a institucionalização da presença económica do Ruanda no Leste do Congo. Este mecanismo permitirá formalizar cadeias de abastecimento de minerais críticos, atrair investimento estrangeiro directo e expandir a influência ruandesa em sectores estratégicos como energia hidroeléctrica, a conservação ambiental e a refinação de minerais. Tudo isto com o beneplácito dos EUA e sem resistência efectiva da RDC.

 

O exemplo mais simbólico desta nova realidade é a mina de Rubaya, no Kivu do Norte. Actualmente sob controlo do M23, grupo apoiado por Kigali, a mina será modernizada e o seu coltan refinado legalmente no Ruanda por um consórcio que inclui a America First Global, ligada a aliados de Trump, e a empresa pública ruandesa Ngali Holdings. A longo prazo, o coltan será exportado legalmente através do Ruanda, consolidando a sua posição como elo central nas cadeias de valor globais de minerais estratégicos. Esta operação representa uma mudança histórica: o Ruanda deixa de ser acusado de contrabando e passa a ser o canal legal e reconhecido para a exportação de recursos do Leste do Congo.

 

Mais do que um acordo de paz, este é um acordo de integração económica — e é aí que reside a verdadeira vitória do Ruanda. Com o apoio tácito dos EUA e a ausência de capacidade de organização da RDC, Kagame conseguiu aquilo que há muito ambicionava: acesso legal, estruturado e legitimado às riquezas do Kivu. Enquanto os EUA jogam para as manchetes e a China continua a investir no médio prazo, o Ruanda consolida-se como o verdadeiro vencedor desta equação. Não com tanques, mas com tratados. Não com ocupação, mas com integração.

 

Este acordo não é um triunfo da paz – é um triunfo da estratégia. E, nesse jogo, Paul Kagame e o Ruanda mostraram-se mais preparados, mais determinados e mais visionários do que qualquer outro actor. A fraqueza da RDC e a superficialidade da intervenção americana apenas facilitaram o caminho. No fim, a integração económica do Leste do Congo não será uma concessão – será uma conquista. E será ruandesa.

https://www.makaangola.org/2025/07/o-ruanda-e-a-vitoria-silenciosa-no-leste-da-rdc/

 

 

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